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Poesia e Arquitetura: Largo / Carlos Nóbrega

Gostaria que não tivesses nome
e se o tivesses, não fosse de homem,
fosse de Vento: Praça de Sonho.

Não precisava haver em ti
nenhum relógio, nenhuma lâmpada,
nenhuma lógica. Fonte nenhuma.

Existirias sem nada disso.
Tinhas que ser,
és o que és,
Existirias

(o que se fixa
no olhar disperso
dos transeuntes

é o que se altera
no olhar transverso
dos que te habitam).

Existirias porque teus loucos te criariam
e não fossem eles
o homem comum te sonharia;

existirias porque tuas putas te sonhariam
e não sendo elas
as que são santas te criariam;

e se não fosses o púlpito
para os alucinados de Deus,
uma confraria de ateus te fundaria.

E se os teus velhos não tivessem em teus bancos
o ardor dos colegiais,
e as anciãs não vagueassem por ti
lambuzadas de cosméticos,
jovens desesperadas
em tuas árvores armariam suas forcas,
e te edificariam com seus atos.

E se os apressados não reduzissem os passos
ao te cruzar
os mutilados se apressariam em te criar.
Os mendigos o fariam, ou os viciados,
ou os homens ricos, ou este vira-latas.
No entanto tu és a construção inacabada
do dia-a-dia
que mãos opostas edificam em mutirão.

E se ninguém, nem mesmo o Mito,
te tivesse criado,
eu te criaria, pois sou um pouco de todos
os que pulsam em ti.
E se não posso cantar o mundo,
te canto, ó praça dos boticários,
ó praça das rameiras
dos estrangeiros
das balconistas
das crianças perdidas
dos deserdados
das bem sucedidas
dos desocupados
das bêbadas
dos que se irradiam,
Ó praça do mundo inteiro.

Há um relâmpago
sobre ti que não se apaga,
que vem dos vivos
do olhar dos vivos
da voz dos vivos
e das suas almas.
És o que és
Praça da Luz
o espaço que alforria
as peles de toda cor
E todos os que estão em ti
ardem do que são
os pequenos ladrões
as grandes ladras
os cafetões e as namoradas
com seus olhares enigmáticos
os gazeadores
os artistas sem ribalta
as gordas e magras
os anjos caídos
as moças grávidas
os avarentos
os demagogos
os apostadores
todas as mágicas
todos os mágicos
mestres da vida
E esta menina em laços de fita
dando milho aos pombos,
que é teu monumento
Te quero sempre assim incompreensível
ó Praça
Sempre assim à beira do delírio.