Brasil urbano: população em situação de rua aumenta 31%

No último mês de janeiro a Prefeitura Municipal de São Paulo, uma das maiores cidades da América Latina, divulgou os resultados da Pesquisa Censitária da População em Situação de Rua, apresentando sua caracterização socioeconômica e um panorama territorial. Os dados recentes do PIB, bem como a pesquisa censitária, demonstram os impactos da pandemia e da crise econômica e política em nossa sociedade, confirmando aquilo que está sendo refletido nas grandes cidades brasileiras.

Uma das mais importantes ferramentas das sociedades modernas, a pesquisa demográfica feita periodicamente dá insumos para a análise da qualidade de vida de uma população, ao mesmo tempo que deveria também  orientar a criação de políticas públicas do governo. Antes do censo da população de rua de 2021, apresentado recentemente pela Prefeitura Municipal de São Paulo, a última pesquisa censitária da cidade feita sobre a população de rua era de 2019, antecedendo a pandemia do novo coronavírus. Apesar das críticas à metodologia utilizada e da provável subnotificação, os resultados demonstram um aumento considerável de pessoas em situação de rua desde 2019 na cidade de São Paulo. 

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© Photo by Bianca Neves on Unsplash

O censo constata um aumento de 31% da população em situação de rua, saindo de 24.344 pessoas para 31.884 em 2021. Apesar de ser um dado municipal, a vivência em cidades do interior de São Paulo e também em outros estados do Brasil mostram que esse é um fenômeno hegemônico nos centros urbanos, revelando as consequências da situação econômica e política brasileira junto da pandemia. Em seu artigo para o Outras Palavras, David Deccache faz uma seleção de dados sobre a situação econômica brasileira, partindo da comparação anual do Produto Interno Bruto do país. Desde 2015 o PIB vem em queda quando comparado ao crescimento ao longo de 2004 a 2014, com especial destaque à queda de 2020, ano de início da pandemia de Covid-19 no país.

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Produto Interno Bruto. Image via David Deccache em Outras Palavras

Além disso, quando se trata diretamente da população, o IPCA, Índice de Preços ao Consumidor Ampliado, subiu consideravelmente no último ano, o que reflete aquilo que vemos no cotidiano: o aumento do preço de produtos e serviços que consumimos. Ao olharmos para os setores que são fundamentais para a sobrevivência das pessoas, vemos que os custos de transporte e habitação sofreram um aumento considerável de 2020 para 2021, enquanto o custo de alimentação subiu de 2019 para 2020. Esse quadro é agravado ainda pela alta do desemprego e do número de famílias endividadas, os maiores nos últimos 10 anos. 

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Índice de Preços ao Consumidor Ampliado. Image via David Deccache em Outras Palavras

O reflexo desses números se vê nas ruas: o aumento, possivelmente subnotificado, informado pelo censo mostra que, para além da crise política brasileira, a população não teve o apoio necessário para se sustentar durante a pandemia. Ainda que a moradia seja uma das principais preocupações das famílias brasileiras, não foi possível arcar com os custos do aluguel, ainda mais quando se perde as fontes de renda familiares. Ao longo dos anos de 2020 e 2021 não foram poucas as reportagens que mostram famílias que não conseguiram arcar com o custo de sua, já precária, moradia nas periferias e favelas, e foram postas na rua. Dessa forma, percebe-se a partir da pesquisa um aumento das pessoas que estão nessa situação há pouco mais de um ano.

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Mapa de Calor da Cidade de São Paulo - População em Situação de Rua. Image via Pesquisa Censitária da População em Situação de Rua, Prefeitura Municipal de São Paulo.

O censo também revela a forma de ocupação das ruas no território. Das mais de 31 mil pessoas que foram consideradas na pesquisa, 40,31% delas são contabilizadas pela subprefeitura da Sé, região central da cidade, e 18,23% na subprefeitura da Mooca, centro leste da cidade. Isso significa que a grande maioria da população em situação de rua está localizada nas regiões centrais, onde o acesso a empregos, transporte e infraestrutura básica, como alimentação e higiene, é mais fácil. Ainda que a maioria se concentre próxima à região central, o censo mostra também um aumento da população em situação de rua em bairros periféricos, como Campo Limpo, que aumentou o número em mais de 155% ou Perus, que teve um aumento de 555% de 2019 a 2021. 

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Mapa de Localização da População em Situação de Rua por Subprefeituras. . Image via Pesquisa Censitária da População em Situação de Rua, Prefeitura Municipal de São Paulo.

Os dados refletem aquilo que é percebido pelas ruas das cidades. Cada dia mais famílias, barracas e outros abrigos improvisados são vistos nas ruas, parques e praças das cidades brasileiras. Ao mesmo tempo, as políticas públicas não têm conseguido emplacar tratamentos realmente efetivos para o acolhimento dessa população vulnerável. Historicamente as políticas em relação à população de rua têm uma visão higienista e carregada de preconceitos, focando na remoção dessa população e de seu arsenal de bens e objetos pessoais buscando uma limpeza da paisagem, sem propostas efetivas de como acolher e retirar definitivamente as famílias dessa situação.

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Centro de São Paulo. Image © Evandro Miquelito, via Flickr. CC

Por outro lado, o mercado imobiliário, protagonista nas definições territoriais das cidades brasileiras, consegue se beneficiar com a degradação de certas regiões da cidade, abaixando o preço dos imóveis e integrando o processo de gentrificação. As mesmas regiões centrais, envolvidas em infraestrutura urbana, que são ocupadas pelas famílias em situação de rua, também apresentam lotes vazios, edifícios subutilizados e, cada dia mais, novos empreendimentos imobiliários, nenhum dedicado à população mais vulnerável. Assim, o censo não apenas demonstra a situação cotidiana dos centros urbanos brasileiros, como também expõe a urgente necessidade de políticas públicas efetivas para o acolhimento da população vulnerável, trazendo também uma reflexão sobre os agentes de ocupação do território urbano e o cumprimento, ou não, da função social da terra.  

  • Pesquisa Censitária da População em Situação de Rua, Prefeitura Municipal de São Paulo. Acesse o mapa interativo aqui.

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Sobre este autor
Cita: Giovana Martino. "Brasil urbano: população em situação de rua aumenta 31%" 30 Mar 2022. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/978119/brasil-urbano-populacao-em-situacao-de-rua-aumenta-31-percent> ISSN 0719-8906

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