Urbanismo de Hayao Miyazaki: a cidade além da ficção

Os filmes de Hayao Miyazaki são amados há décadas por crianças e adultos. Sua animação e narrativa únicas revolucionaram os filmes de animação em todo o mundo.

Eles estão entre os filmes de animação de maior bilheteria no Japão e foram indicados diversas vezes ao Oscar. A Viagem de Chihiro ganhou o Oscar de Melhor Animação em 2003 e, em 2014, o próprio Miyazaki recebeu um prêmio honorário por seu impacto no cinema.

Os filmes do diretor apresentam mundos intrincadamente fantásticos, mas fundamentados. Alguns elementos, como os aviões em O Castelo no Céu ou Porco Rosso: O Último Herói Romântico, parecem ser reais.

Miyazaki tem um segredo que esconde de todos há anos: ele é um dos melhores designers e pensadores urbanos de nosso tempo.

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Kiki segurando um mapa de Koriko. Imagem: Studio Ghibli. Image © Studio Ghibli

Tomemos, por exemplo, O Serviço de Entregas da Kiki (1989), um filme amado sobre uma jovem bruxa que se muda para uma cidade grande e usa sua habilidade de voar para iniciar um pequeno negócio.

A maior parte do filme se passa em uma das cidades fictícias mais bem feitas fora de Dinotopia. Koriko é tão viva, animada e detalhada quanto qualquer personagem. Ela é uma cidade portuária e parece estar situada em várias colinas dentro de uma ilha, em uma grande baía ou estuário.

A paisagem montanhosa (e os bondes vermelhos) lembram Lisboa, a arquitetura tem influência holandesa e a torre do relógio na praça da cidade é como a Torre del Mangia no Palazzo Publica em Siena.

Também é semelhante ao plano de Ernest Gimson para Camberra — dada a obscuridade de Gimson, Miyazaki pode ter lido Camillo Sitte, o arquiteto austríaco que influenciou o design de Gimson, ou, como artista, Miyazaki pode ter reconhecido os mesmos princípios.

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Uma vista da torre do relógio de Koriko e da praça do mercado. Imagem: Studio Ghibli. Image © Studio Ghibli

Os edifícios de Koriko estão próximos uns dos outros e construídos na linha do lote. As ruas são estreitas ou arborizadas. E não parece haver estacionamento em lugar nenhum. Apenas a torre do relógio tem mais de seis andares de altura, embora a escala possa ser confusa.

Há um verdadeiro sentido de lugar e vida, uma qualidade de vida que muitas vezes falta em novas cidades experimentais como Poundbury, na Inglaterra.

Uma vez em Koriko, Kiki é protegida por um padeiro empreendedor chamado Osono, que reconhece que Kiki pode usar suas habilidades especiais para ganhar a vida.

Osono aluga um quarto vago para ela e lhe dá trabalho na padaria até que seu negócio de entregas comece a gerar receita. Osono e Fukuo, que também trabalha na padaria, moram em cima da loja, enquanto o quarto que Osono aluga para Kiki fica em cima de um depósito.

Muitos dos edifícios têm cafés ou restaurantes no piso térreo e existem bancas de mercado montadas na praça da torre do relógio.

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Barracas do mercado próximo da torre do relógio de Koriko. Imagem: Studio Ghibli. Image © Studio Ghibli

Koriko não é apenas um cenário — é uma cidade que funciona. As pessoas se sentam perto de fontes para ler jornais. Passeiam com carrinhos de bebê nos parques. Eles precisam do pão quentinho, do peixe fresco, pescado no dia. Eles recebem as notícias de última hora assistindo à televisão na vitrine de uma loja.

Quando Kiki chega pela primeira vez, os policiais a repreendem por atrapalhar o tráfego com seu voo de vassoura; no clímax do filme, Kiki pega uma vassoura emprestada de um zelador ou varredor de rua. Se o filme tivesse mais de 103 minutos, sem dúvida veríamos alguém tropeçar em um paralelepípedo.

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Pessoas no parque em Koriko. Imagem: Studio Ghibli. Image © Studio Ghibli

Pode ser tentador descartar Koriko como uma coisa única, intrincadamente realizada porque a história assim o exigia. Mas isso subestima o compromisso de Miyazaki com a construção do mundo.

Em outro filme antigo, O Castelo no Céu (1986), uma boa parte dele se passa em uma vila de mineração sem nome com casas geminadas com vista para os penhascos. Não só é lindo, como quando o personagem Pazzu é atacado, toda a vila vem em seu auxílio; luzes enchem todas as janelas e mineiros enchem a rua.

Em seguida, em Porco Rosso: O Último Herói Romântico (1992), Porco leva seu avião biplano danificado para Milão para repará-lo. Ele não vai para a parte turística da cidade. Há um canal, vários armazéns, outras infraestruturas e usos mundanos. É o oposto de Koriko.

Mas o que acaba sendo importante é o apoio da comunidade de Milão. O mecânico de Porco, Piccolo, pode contar com seus parentes da região para trabalhar no avião e alimentar a todos.

É a ênfase de Miyazaki na humanidade dos moradores de suas cidades, e nas comunidades que eles formam, que o diferencia de muitos planejadores urbanos reais.

Ele cria cidades maravilhosas de se ver e estar, lugares onde as pessoas podem formar laços fortes umas com as outras. Suas cidades são projetadas para acomodar personagens que se comportam como humanos, não para favorecer o uso do carro ou o mercado imobiliário.

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Uma rua movimentada de Koriko. Imagem: Studio Ghibli. Image © Studio Ghibli

Muitos cineastas usam cidades, ou partes de cidades, apenas como cenários acessíveis. Os personagens andam quando normalmente não andam, para focar a ação nos personagens e criar uma sensação de que o filme está se movendo.

Com Miyazaki parece que as cidades foram projetadas para ser cidades primeiro, e só depois se transformaram em um cenário. Não são apenas os cineastas que têm algo a aprender com Miyazaki. As cidades reais também podem se inspirar — sobre como trabalhar e como fornecer maravilhas da vida real para seus residentes e visitantes.

Via Caos Planejado.

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Sobre este autor
Cita: Matthew Robare. "Urbanismo de Hayao Miyazaki: a cidade além da ficção" 06 Nov 2021. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/971105/urbanismo-de-hayao-miyazaki-a-cidade-alem-da-ficcao> ISSN 0719-8906

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