"A arquitetura tem que cantar, tem que se mexer": uma entrevista com Carlos Castanheira

No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.

Em seu primeiro episódio, Sara conversou com o arquiteto João Luís Carrilho da Graça sobre seu Terminal de Cruzeiros em Lisboa, e, em seguida, recebeu João Mendes Ribeiro para uma conversa acerca de temas como patrimônio, reuso de antigas estruturas e arquitetura da paisagem, a partir do projeto de reabilitação da estufa do Jardim Botânico de Coimbra. O terceiro encontro foi com a arquiteta Inês Lobo e girou em torno da Biblioteca Pública e o Arquivo Regional de Angra do Heroísmo. A seguir, ouça e leia a conversa que aconteceu no quarto encontro, com Carlos Castanheira sobre o projeto Treetop Walk.

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Sara Nunes: Acho que vamos começar por falar da madeira, que é um tema muito próximo do arquitecto. O Arquitecto tem uma vasta experiência a construir em madeira e tem ganho, inclusivamente, prémios nesse domínio. O que tem a madeira de tão especial? Quais as suas vantagens e o que é que o entusiasma mais no uso da madeira?

Carlos Castanheira: Ainda estudante, apercebi-me que a madeira tinha sido posta de lado como material de construção, era e ainda é mais usada como material de decoração, de mobiliário e não tanto de construção. Quando, na verdade, à minha volta eu sempre vivi com estruturas de madeira que sempre me entusiasmaram e impressionaram. Apercebi-me, ainda muito jovem, como estudante, que não conhecia as árvores. Conhecia muito poucas e não conhecia a madeira, as várias madeiras que existem. E constatei que também não conhecia qual era a razão pela qual em determinado tempo ignoraram a madeira, em detrimento de outros materiais. Quando saí do país e emigrei durante alguns anos (neste caso para a Holanda) verifiquei que por lá o uso da madeira já era muito habitual e comecei a interessar-me. Quando regressei da Holanda tive a possibilidade de fazer alguns trabalhos e propus o uso da madeira como elemento estrutural. No início foi um pouco difícil, mas foi sendo aceite e comecei realmente a aperceber-me de que a madeira é um material fantástico, para além de muito bonito quando bem utilizado. Além disso, é um material de muito rápida construção. Portanto, é um material que ao mesmo tempo que se está a aplicar como elemento estrutural pode ser também utilizado como um elemento de acabamento, um elemento estético. E isso interessava-me, e interessa-me. Ou seja, o rigor que é necessário quando se trabalha na madeira. Não é possível esconder os erros na madeira porque eles ficam...

SN: Visíveis, não é? Neste trabalho que vamos falar hoje sobre o Treetop o arquitecto também utilizou a madeira como material principal. Como estava a dizer, não só como material de acabamento, mas também estrutural. O arquitecto Carlos Castanheira tem desenvolvido um trabalho relevante e consistente na Ásia há mais de duas décadas e muitas vezes a duas mãos, em conjunto com o arquitecto Álvaro Siza. Sei que essa experiência na Ásia esteve na origem da encomenda deste trabalho. Conte-nos essa história.

CC: Isto teve origem num convite que eu aceitei com alguma dificuldade. O convite tratava-se de um ciclo de conferências sobre a internacionalização da Arquitectura Portuguesa. E quando digo dificuldade é porque naquela altura tinha muito pouco tempo livre, viajava imenso e, como tal, esse tipo de actividades paralelas à profissão eram sempre um pouco postas de lado. 

Na altura, tratava-se de uma conferência de dois dias. Quando me deram a escolher o dia e a hora, eu escolhi o dia e a hora mais tardia para que pudesse estar o máximo de tempo possível no escritório. Resolvi apresentar toda a quantidade, que é já grande, de obras e projectos que fizemos na Ásia. Uma delas trata-se de um percurso elevado num parque na Coreia, onde fizemos outros edifícios, mas esse percurso ainda não foi construído. Tinha desenvolvido algumas imagens como hoje em dia agora se faz, as imagens 3D. A administração de Serralves andava um pouco na área a discutir o que deveria ser feito no pequeno bosque, existente e um pouco esquecido, no Parque de Serralves. Perguntaram-me se eu tinha disponibilidade e vontade e eu, obviamente, disse que sim porque trabalhar no Parque de Serralves é uma coisa que, de maneira nenhuma, se pode recusar. Comecei a desenvolver o projecto e, portanto, foi um projecto relâmpago, correu muito bem, sem grandes contratempos que nós, arquitectos, habitualmente temos. O projecto foi executado em nove meses. Foi rápido...

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SN: É um record!

CC: É, de facto! Também se manteve o orçamento. Foi uma coisa que correu muito bem. Reunimos as pessoas e há toda uma equipa que é fundamental para o sucesso do projecto. Tivemos um bom cliente, um sítio fantástico, um arquitecto que... Bem... é difícil falar de mim próprio, mas que gosta destas coisas. E depois houve também no concurso uma empresa que se empenhou bastante bem e que conseguiu manter... Quer dizer, ainda houve ali uma tentativa de algum desvio para que fosse possível adiar um pouco a entrega, mas havia datas marcadas e cumpriram-se, e bem! No final, todos estávamos e estamos contentes. O passadiço elevado foi um sucesso durante o percurso que esteve aberto... Isto porque depois estivemos em confinamento e tudo se alterou! Realmente teve uma grande aceitação do público, foi muito visitado, tanto de dia como de noite. Para um arquitecto ver um cliente feliz e contente é das coisas melhores que podem acontecer. Quer dizer que atingimos uma parte do objectivo.

SN: Dizia que algumas das partes deste jardim eram um pouco desconhecidas e, ao longo dos anos, Serralves tem promovido uma série de exposições e até de instalações artísticas, que levam a Arte até os jardins. Mas de qualquer modo, havia partes do jardim que eram mais desconhecidas do público. O que é que nos permite ver através do Treetop dos Jardins de Serralves que antes não víamos?

CC: Serralves, como nós lhe chamámos, é uma grande quinta de uma pessoa muito rica que a comprou e que escolheu uns arquitectos paisagistas de grande qualidade e fez uma casa fantástica, que é a casa cor-de-rosa. Aí fez-se um parque com uma arquitectura inspirada na corrente Art Déco. Os jardins do Parque clássico de Serralves são do grande arquitecto paisagista Jacques Gréber, muito famoso e que viajava por todo o lado a construir parques. Mesmo assim, manteve uma grande área por ajardinar, com a excepção de uma área onde havia um jardim com plantas aromáticas, onde agora se encontra o Museu de Serralves. E depois há uma parte agrícola, que durante muito tempo funcionou mesmo com agricultura, com uma bela casa agrícola com uns estábulos. Depois da instalação do Museu de Serralves começou-se a fazer uma grande actividade cultural, didáctica, em que recebe muitas escolas, muitas crianças, sobretudo ao fim-de-semana. Essa actividade concentrou-se muito na parte agrícola, tem um espaço bastante amplo e o contacto com os animais para as crianças mais urbanas que não têm essa facilidade.

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SN: Para aquelas que não têm esse privilégio...

CC: Houve uma canalização de algumas actividades e este espaço agrícola e mais um outro que era uma construção existente, onde era a antiga garagem, ficou um pouco esquecido. Os percursos que estão indicados, as esculturas e as actividades levavam sempre para outros sítios. Eu que conhecia bem Serralves (julgava eu) nunca tinha passado... ou se passei nunca notei e nunca dei atenção a este pequeno bosque. E a própria garagem, que era um edifício interessante, na qual tinha estado uma ou duas vezes, nunca lhe prestei muita atenção. Essa garagem foi transformada e ampliada em Casa do Cinema Manuel de Oliveira pelo arquitecto Álvaro Siza. E aquele bosque... 

Quando me convidaram para fazer o Treetop, eu disse: “Como é que é? Onde é que há sítio em Serralves para fazer uma coisa destas?”. Fiquei surpreendido quando fui ao local e percebi que havia uma quantidade de árvores que estavam bem tratadas, quase intocadas. Gostei imenso do sítio e disse logo que estava disposto a construir o Treetop. Aos poucos, comecei a estudar o projecto e apercebi-me que eu tinha ali uma situação diferente da habitual, em que a partida para este percurso era a cota mais alta e o terreno fugia-me dos pés. Na primeira proposta que desenvolvi, até porque logo aí há um certo apetite, fiz um percurso em rampa ligeira para que fosse acessível a pessoas com mobilidade reduzida, pois as pessoas têm sempre esta vontade de subir. Entrando de nível no passadiço é que eu consigo fazer um percurso (não muito grande, pois corresponde a 250 metros) que me permite estar a, dado momento, numa altura de mais 15 metros. E como o terreno continua a fugir há um instante em que temos 23 metros de altura até à água. E esse fenómeno é interessante porque permite andar de nível da cota e tudo se alterar. Altera-se porque eu começo não propriamente ao nível do início do caule do tronco da árvore e rapidamente estou a meio do tronco das árvores e da altura das copas. É uma coisa que todos nós quando éramos pequenos gostávamos: a sensação de subir às árvores e, obviamente, com todos os perigos inerentes. Essa coisa de ter experiências diferentes, de subir às árvores, trepar às árvores e, neste caso, de uma maneira, cómoda. Parece-me muito interessante e muito entusiasmante. Temos a percepção de que os troncos são diferentes, as folhas são diferentes... 

SN: Parece que houve um cuidado muito grande para que o espaço se adaptasse à vegetação, às inclinações do terreno, um cuidado quase cirúrgico na colocação das estruturas. Aqui não houve qualquer remoção das árvores, houve um respeito enorme e, ao mesmo tempo, havia que construir esta estrutura. Fale-nos sobre esse cuidado que o projecto teve que ter para não destruir toda a natureza fantástica que há à sua volta.

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Cortesia de Carlos Castanheira

CC: Ora bem... Mesmo que fosse uma casota para um cão o cuidado teria de estar sempre presente porque é preciso saber onde se devem colocar as coisas. Ao fazer uma intervenção as coisas alteram-se, as relações alteram-se e é bom que as coisas se alterem quando é para melhor. Quando é para pior é preferível não fazer nada e estar quieto. Em Serralves, a situação era completamente melhor porque estamos a falar de um conjunto edificado que, quer seja pelo Homem, quer seja pela natureza, é classificado. E depois estamos a falar da natureza e só isso obriga-nos a ter um grande respeito. Por vezes, isto é difícil explicar por palavras, mas às vezes há alguma confusão sobre o que significa preservar. 

Preservar não é não fazer nada. Preservar é limpar e proteger com inteligência e com saber. Os meios que nós temos, que hoje são muitos e às vezes até demasiados... Neste caso, tive de estudar, fazer o levantamento topográfico com a ajuda da aplicação de raios laser, que, lá está, deu-me informação excessiva... Portanto, tinha de identificar as árvores e ver como é que eu conseguiria passar sem danificar uma única árvore. Obviamente que eu não consigo fazer isto sozinho, tenho de fazer isto com técnicos e engenheiros, que auxiliam, sobretudo, na parte estrutural. Falamos de uma estrutura que tinha problemas estruturais consideráveis e as fundações (que são uma coisa que habitualmente não vemos porque estão escondidas), geralmente encontram-se debaixo de terra, ou dentro de água. Aqui as fundações eram bastante significativas e a primeira proposta que o engenheiro me apresentou foram umas sapatas de fundação, que medem cerca de quatro metros por quatro metros e que acabaria por destruir muitas árvores. Para além de ser de quatro metros por quatro metros, teriam de ser bastante profundas e tocariam nas raízes não daquelas árvores, mas nas árvores vizinhas. Portanto, foi preciso repensar tudo isso, partimos logo para umas fundações mais cirúrgicas com umas microestacas onde são feitos uns furos, bastante pequenos, quase como se estivéssemos a fazer prospecção de petróleo. Aí injectou-se um betão especial com umas armaduras em ferro. Tudo isso foi muito cirúrgico, mas antes de fazer isso foi preciso marcar todo o passadiço depois de estar aprovado. Ou seja, mais uma nova marcação, fui lá verificar, fui lá para tentar perceber o que havia no chão, o que se via lá de cima e fazer correcções... Quando se constrói uma casa, ou qualquer outro edifício, é preciso perceber a envolvente e tomar opções. Foram feitas correcções e, depois de corrigirmos e de termos a certeza que estávamos a fazer bem feito, arrancou-se para a obra. Obviamente a obra foi acompanhada e, felizmente, eu acredito na sorte. Tivemos essa sorte porque a sorte faz-se e nós fizemo-la. Tudo correu muito bem, não foi preciso cortar nenhum ramo. Há dois ramos que têm uns esticadores para permitir a passagem de pessoas grandes, pois é preciso ter em conta que há pessoas que são um pouco fora de escala e poderiam embater com a cabeça nesses mesmos ramos. Depois tem essa coisa interessante onde se verifica que muito perto dos ramos e das folhas existe a possibilidade de tocar... e tudo isso também se altera porque os elementos estão em movimento, mexem-se. Para além disso, estar numa estrutura de madeira que abana um pouco traz algo de aventura. 

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SN: Certo!

CC: É uma estrutura com protecção, com segurança e é sempre interessante chegar lá em cima e observar a partir desse ponto elevado. Criou-se uma série de perspectivas sobre Serralves, sobretudo sobre a parte florestal e agrícola, que até então não se conseguia vislumbrar. Por exemplo, nos bons dias consegue-se ver um pouco do Atlântico e o Treetop permite essa experiência de observar Serralves e de perceber que Serralves é uma mancha impressionante na cidade, sobretudo num final de tarde que tem uma luz e uma vista fantásticas! E está-se muito bem!

SN: Este percurso tem vários momentos. Se calhar desafiava-o a descrever esses diferentes momentos do passadiço.

CC: Isso vamos a uma outra questão, que é... Eu, sempre que posso, faço percursos pedonais e em períodos de férias também faço um pouco de exercício. Gosto de caminhar, mas aborrece-me fazer um percurso de ida e volta seguindo o mesmo itinerário, por isso tive uma grande preocupação de que este passadiço tivesse a possibilidade de entrar e sair, não obrigando a sair pela mesma porta (digamos assim). E também lá o percurso faz quase um laço, criando alternativas, o que faz com que seja possível fazer percursos alternativos. Isso é o que me interesssa! Ou seja, a Arquitectura pode ser vista de uma forma em que as pessoas são parte activa porque percorrem essa mesma Arquitectura, abandonando aquela ideia da Arquitectura estática. E é bom que algo aconteça... Como costumámos dizer: a Arquitectura tem que cantar, tem que se mexer! Isso é fundamental. A Arquitectura constante – em que a pessoa começa um percurso e de início ao fim é sempre a mesma coisa – é extremamente aborrecida, na minha opinião, embora obviamente isto, muitas vezes, não seja assim tão linear porque a influência da luz e do sol também torna as coisas um pouco diferentes. Mas sem que seja algo espalhafatoso, pois não é algo que assenta naquela ideia em que o arquitecto é que tem a tendência de divertir as pessoas... Trata-se de um percurso bastante simples e tranquilo, mas que leva as pessoas a usufruir da paisagem e da envolvente. E, atenção, estou a fazer este discurso relativamente ao Treetop, mas podia fazer este mesmo discurso relativamente a um edifício.

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SN: Tem sempre essa preocupação?

CC: Exactamente. Tenho sempre essa preocupação de que as pessoas consigam ver perspectivas diferentes e isso faz-se abrindo uma janela ou passando por um terraço. Aqui é a mesma coisa porque eu consigo deslocar-me naquele percurso e consigo aperceber-me que tem depois uma zona, uma espécie de uma varanda, onde eu coloco um banco e, portanto, estou automaticamente a convidar as pessoas a sentarem-se, a passarem ali mais algum tempo. E isso não precisa de legenda, pois basta ver alguns elementos de Arquitectura para que as pessoas percebam. Dessa forma, as pessoas ora podem aproximar-se da beira do precipício (porque é um dos pontos mais altos), ora podem ficar sentadas a apanhar um pouco de sol porque é uma perspectiva muito bonita, ou então continuam o seu percurso e vão até ao pequeno auditório, que tanto pode ser meramente para estar, ou para fazer conferências e realizar pequenas aulas como se faz habitualmente na parte didáctica de Serralves com os grupos das escolas, que visitam o parque. De certa forma, o arquitecto mostra às pessoas o que é que elas têm de ver e têm de sentir... mas também não de uma maneira extremamente autoritária, o arquitecto só mostra aquilo que ele quer e que ele gosta... Isto, claro, dando sempre a possibilidade de as pessoas introduzirem alguma da sua experiência e da sua vivência no próprio espaço. E eu continuo a falar em espaço, apesar de se tratar de um espaço aberto porque a questão é a mesma. É um espaço que tem chão, paredes (que neste caso são as guardas) e continua a ter tecto. Algumas vezes esse tecto é o céu, outras vezes é a copa das árvores. O tema recorrente é sempre o mesmo – a Arquitectura. Este vai variando mediante os programas e mediante o cliente (que é um dos elementos mais importantes da Arquitectura). E também pode mudar consoante o local, que é fundamental para se fazer boa Arquitectura. 

SN: Como eu tinha referido no início, neste projecto o arquitecto também utiliza a madeira. Pergunto-lhe sobre o porquê da escolha pela madeira. Essa escolha está relacionada com esta sua paixão pela madeira, ou havia aqui outra razão para a escolha deste material?

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CC: Aqui é um pouco ao contrário. Aqui não fui eu que propus a madeira, foi a administração de Serralves que já estava a pensar fazer algo com a madeira porque há outros exemplos semelhantes. Geralmente, todos os exemplos que existem na Europa (e não só) são exemplos lúdicos. Ou seja, são exemplos em que a meio do caminho há uns escorregas, umas cordas, uns baloiços, mas não era essa a intenção de Serralves porque Serralves não queria que aquilo que ali iria ser construído se tornasse num parque infantil, mas sim num percurso didáctico para que as pessoas fossem levadas a estar mais junto da natureza... Isto é, mais próximas do que habitualmente andam. Paralelamente, queria que isto fosse também um exemplo de sustentabilidade. A administração escolheu-me a mim pelo meu uso, pela minha experiência e pelo meu gosto pela madeira. Neste género de ambientes a madeira encaixa-se bastante bem. Para além disso, também me foi exigido que fosse usada a maior quantidade possível de madeira reciclada. 

Infelizmente, a indústria da madeira – sobretudo nestas peças estruturais que têm uma dimensão significativa – é uma indústria muito automatizada e robotizada e, como tal, no método construtivo só pode ser usada madeira completamente nova, pois a madeira menos limpa iria danificar todo o sistema...

SN: Sistema produtivo...

CC: Sim, sistema produtivo e também de certificação porque, hoje em dia, tudo tem de ser certificado, sobretudo nas partes estruturais. Portanto, as peças estruturais vieram todas pré-fabricadas e todas feitas com madeira nova (também essa certificada), que vinha de bosques de plantação. Ou seja, bosques que já foram plantados para fazer madeira... Por outras palavras, matas que antes de serem matas já estavam a ser pensadas para serem desflorestadas. Conseguimos que todas as peças não estruturais, como as guardas do passadiço e os pisos, fossem feitas com madeira reciclada, com certificação reciclada. Portanto, temos ali um peso considerável de madeira reutilizada, o que é sempre interessante e então do ponto de vista didáctico é muito importante transmitir esta mensagem, sobretudo aos mais novos, aos mais jovens.

SN: Sinto que o Treetop tem uma estrutura muito semelhante às árvores que o rodeiam. Ou seja, a estrutura do Treetop era como se fossem os troncos e os passadiços como se fossem as copas das árvores. Só que aqui em vez de terem os pássaros, existem as pessoas que passeiam pelo passadiço. O espaço tem quase dois espaços. Existe o espaço superior e quase também o espaço inferior que o arquitecto acabou por criar com esta estrutura. Fale-nos um pouco deste espaço na cota inferior.

CC: Sinceramente o passadiço foi uma surpresa pela positiva para mim, mas a maior surpresa foi aperceber-me que o espaço para o qual ele foi pensado é o espaço que temos que permite andar por baixo do passadiço, seja durante o dia, seja durante a tarde, seja à noite... É fantástico, é mesmo muito interessante! Talvez não pareça muito bem ser eu a dizer isto, mas, falando com sinceridade, fiquei muito surpreendido e muito agradado porque são percursos onde é tão interessante passar por baixo do passadiço, como por cima. Acabam por se complementar. Quase que diria que não é possível fazer o percurso superior e depois não ir lá abaixo e perceber como é que aquilo funciona! Os pilares não mais que são que árvores, que suportam as plataformas horizontais e foi esse o meu objectivo. Espero que tenha conseguido! Claro que a avaliação cabe a cada um de nós.

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SN - O arquitecto estava a falar sobre a estrutura... Eu estive no Treetop, aquando da sessão fotográfica que o Fernando Guerra fez, e sei que dias antes tiveram de fazer testes especiais a este passadiço. Fale-nos um pouco sobre os testes que tiveram de ser feitos na estrutura. 

CC: Esta estrutura não é assim muito usual e o engenheiro Paulo Fidalgo, que habitualmente me dá apoio nas partes estruturais, sentiu também o peso da responsabilidade que este tipo de “coisas novas” exige, por isso pediu apoio a outros colegas que ele conhece. Alguns deles são professores na faculdade de Engenharia e um desses contactos que ele fez foi com dois especialistas na parte da ressonância e numa série de fenómenos estruturais. Isso foi tudo, obviamente, analisado, tanto com o lápis como com o computador. No cálculo, chegou-se à conclusão que no passadiço podiam estar três mil pessoas simultaneamente, isto tendo em conta o ponto de vista vertical, do peso. Já do ponto de vista horizontal, que foi sempre a maior preocupação da Engenharia, havia algumas dúvidas que estavam relacionadas com a introdução do movimento, tendo em conta que a quantidade de pessoas poderia colocar alguns problemas estruturais. Nesse âmbito, a primeira coisa que se fez, de acordo com a administração de Serralves, foi reduzir o número de utilizadores para 250 pessoas, e no máximo 300 pessoas. Portanto, há um sistema que controla o acesso às pessoas e nunca irão estar mais de 300 pessoas simultaneamente nesse percurso. Portanto, é preciso estar consciente de que a atitude das pessoas pode ser diferente porque essas pessoas tanto podem estar distribuídas por todo o percurso, o que dá cerca de 1 m2 por pessoa, ou podem estar muito juntas e com movimentos bastante díspares. Por exemplo, um grupo de crianças a correr... E foi isso que nós fizemos... Fomos para lá num dia em que o passadiço estava praticamente concluído... Fui para lá com toda a minha equipa de arquitectos, toda a equipa dos engenheiros... Foram instalados aparelhos de medição, que tanto mediam vibrações como oscilações. Todos esses fenómenos um pouco complexos e eles puseram-nos a correr, a passear para que pudéssemos perceber quais os pontos mais fracos, quais os percursos mais longos... Apesar de sermos arquitectos e de já termos ouvido falar muitas vezes dessas coisas nunca fizemos parte desses testes. E foi interessante, uns corriam para um lado, outros corriam para o outro... Estava um dia lindíssimo e acabou por ser uma espécie de nossa inauguração técnica e que nós não iremos repetir muitas vezes, de certeza. Ficou na nossa memória como um dia especial, um dia diferente!

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SN: O que é que lhe ensinou sobre a Arquitectura este Treetop?

CC: Ensinou-me que sou capaz de o fazer e que gostava de fazer mais e maior porque é um pouco disso que nós vivemos. Foi uma experiência muito interessante. A Arquitectura que eu tento fazer e que aprendi é essa. Ou seja, é uma Arquitectura de percurso, é uma Arquitectura em que as coisas se mexem, e não uma Arquitectura estática. É uma Arquitectura que nos traz aventura, que nos traz experiências e onde a luz é tão importante como a sombra e onde o cheio é tão importante como o vazio. E isso é fantástico! E também se consegue fazer muito com pouco e raramente se consegue fazer muito com muito porque quando se tenta fazer muito com muito acaba-se no ridículo e no exagero e é isso que me preocupa como arquitecto, mas obviamente que me preocupa imenso estar bem comigo e estar bem com os clientes porque respeito. E se as pessoas vêm ter comigo vêm porque, primeiro, confiam em mim e, segundo, porque desejam conforto e, neste caso, desejam um pouco de aventura. Quando nós conseguimos interpretar o que as pessoas pretendem e dar-lhes uma resposta adequada penso que estamos a ser aquilo que não deixamos de ser que é sermos técnicos e que temos uma profissão, que eu pessoalmente considero fantástica. As pessoas não nos compreendem, ou não nos querem compreender e somos constantemente filtrados por pessoas não qualificadas (na maior parte das vezes) e isso traz muitos dissabores. Ainda assim, o prazer – e eu tenho tido essa sorte e essa sorte é uma sorte que eu a tenho feito, como referi há pouco – de fazer algo e de deixar algo feito é superior aos dissabores.

Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.

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Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. ""A arquitetura tem que cantar, tem que se mexer": uma entrevista com Carlos Castanheira" 22 Mai 2021. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/960967/a-arquitetura-tem-que-cantar-tem-que-se-mexer-uma-entrevista-com-carlos-castanheira> ISSN 0719-8906

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