Dia Mundial das Cidades: desafios enfrentados pelas cidades emergentes da América Latina

No próximo sábado, dia 31 de outubro, comemora-se o Dia Mundial das Cidades, uma data estipulada pela Organização das Nações Unidas desde 2015, e que faz parte da iniciativa anual intitulada “outubro urbano”. Essa comemoração tem como objetivo promover o interesse da comunidade internacional na urbanização global, aumentar a cooperação entre países para debater o enfrentamento dos desafios da urbanização e contribuir para o desenvolvimento urbano sustentável ao redor do mundo.

Porém, quando se fala em cidade, apesar do vocábulo significar uma genérica “aglomeração de pessoas situadas em uma área geográfica delimitada”, na prática sabemos que cada um desses agrupamentos é fruto de fatores muito singulares em termos de desenvolvimento e cultura. Nesse sentido, decidimos aproveitar a comemoração mundial do dia das cidades e fazer um recorte específico na nossa realidade, trazendo à tona os desafios enfrentados pelas cidades latino-americanas nos dias de hoje. 

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Cidade na América Latina significa, na maioria dos casos, urbanizações de crescimento violentamente rápido, mais rápido que qualquer possível conceitualização reflexiva e, portanto, mais rápido que a própria formulação dos corretos protocolos de intervenção. Enfrenta-se, portanto, uma dificuldade em gerar condições estruturais capazes de criar espaços urbanos mais democráticos e com menos desigualdade social. Nesse contexto, vários desafios de ordem urbana, social e ambiental são compartilhados pelas cidades latino-americanas. 

Entretanto, essas “cidades emergentes”, segundo a publicação "De Ciudad Emergentes a Ciudades Sostenibles. Comprendiendo y proyectando las metrópolis del siglo XXI” editada pelo BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento, também são lugares de configurações funcionais onde o aberto prevalece sobre o rígido e a flexibilidade sobre o rigor. São elásticas, com capacidade para se adaptar às condições mais inesperadas, encontrando alternativas tangenciais para os problemas contemporâneos.

Levando em consideração a urgência em se enfrentar determinados desafios, preparamos a seguir uma lista com alguns dos principais problemas encarados pelas cidades latino-americanas aliados a projetos de diferentes escalas que ajudam a vencer cada um deles.

Poluição

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Retiro Quebrada La Carevieja, Comuna 1, Medellín. Imagem © Secretaría del Medio Ambiente de Medellín

Richard Rogers no seu livro intitulado “Cidades para um Pequeno Planeta”, comenta que as aglomerações urbanas são como organismos vivos, absorvem recursos e emitem ruídos. Indo ao encontro dessa afirmação, no contexto urbano, a produção de lixo é um dos principais problemas enfrentados. Para se ter uma ideia da sua dimensão, pesquisas afirmam que o Brasil gera aproximadamente 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos por ano, um número muito maior do que sua própria absorção, ou seja, muito dessa produção é descartada de modo irregular e informal, contribuindo com a contaminação do solo e a proliferação de doenças.

A realidade da nossa vizinha Colômbia não é diferente, e como exemplo de estratégia para enfrentamento dessa questão destaca-se a iniciativa da cidade de Medellín. Por meio dela, 130 lixões informais foram transformados em jardins públicos que, além de incentivar o descarte adequado do lixo, aumentou a quantidade de espaços verdes disponíveis à população, promovendo atividades comunitárias e consolidando estas áreas como espaços públicos.

Quando se fala em lixo, vale destacar também a política pública instaurada há algumas décadas atrás pelo conhecido ex-prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, também citada no livro de Richard Rogers. Por meio do programa “Compra do Lixo”, a prefeitura instituiu nas comunidades pontos nos quais recebia o lixo produzido pelas famílias e em troca oferecia vale-transporte, um investimento que equivalia ao gasto na coleta pelo sistema convencional. Essa iniciativa criativa e de baixo custo diminuiu os surtos de doenças infecto-contagiosas e os danos ambientais, fomentando ainda uma conscientização ambiental. 

Mudanças Climáticas

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Cidade colombiana transformou 18 ruas e 12 hidrovias em paraísos verdes. Imagem cortesia de CicloVivo

Todas as cidades do mundo vêm enfrentado problemas de ordem climática e muitos deles causados pela própria urbanização, o que nos leva ao raciocínio lógico de que não é mais possível criarmos cidades com os mesmos parâmetros utilizados nas últimas décadas. Entretanto, o desafio maior é como adaptar as cidades já consolidadas à esta nova urgência.

O exemplo acima também vem da cidade colombiana de Medellín e apresenta uma estratégia interessante na mitigação dos efeitos climáticos. Para lidar com o aquecimento global e com o efeito conhecido como “ilha de calor”, as autoridades da cidade transformaram 18 ruas e 12 hidrovias em paraísos verdes. O projeto “Corredores Verdes” promoveu a arborização dessas rotas, o que permitiu reduzir o acúmulo de calor na infraestrutura urbana. Segundo os dados pós-ocupação apresentados, a intervenção foi capaz de reduzir a temperatura em mais de 2°C, se tornando um importante exemplo de como a sociedade civil, urbanistas e governo podem confiar na natureza para desenvolver um projeto urbano inteligente.

Mobilidade

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Estação iBike Paraíso / Vernare Projetos. Imagem @ Pedro Vannucchi

A mobilidade é um grande tema enfrentado pelas cidades nos dias atuais e muitas estratégias têm sido traçadas para amenizar o problema dos deslocamentos urbanos, assim como o acesso desigual aos meios de transporte. À vista disso, muito se tem falado sobre a importância de incentivar e facilitar o uso de outros modais e, dentre as formas mais sustentáveis de deslocamento difundidas hoje em dia, o uso da bicicleta, sem dúvidas, tem um papel de destaque. Neste projeto implementado na cidade de São Paulo, por exemplo, são criadas estações para bicicletas contíguas à estação de metrô, facilitando a relação intermodal. Entretanto, além de projetos já consolidados como esse, é interessante perceber também que nos últimos tempos muitas cidades têm acelerado seu processo ciclo viário ou criado redes temporárias como forma de viabilizar deslocamentos mais seguros durante a pandemia de COVID-19. Ou seja, o aumento do uso da bicicleta como meio de transporte poderá ser um importante legado positivo deixado pela pandemia que estamos enfrentando.

Quando se fala em mobilidade, há também iniciativas nas quais é possível perceber um esforço no favorecimento não somente do ciclista, mas também do pedestre. Estipulando intervenções simples ao substituir a faixa do estacionamento de veículos por uma calçada mais larga, o projeto intitulado “Rua Completa”, executado em Curitiba, reforça a vocação pedonal da região.

Por fim, existem também estratégias que intensificam e melhoram os sistemas tradicionais de transporte coletivo, como as estações de BRT feitas em Belo Horizonte que, além de possibilitarem uma agilidade na logística do embarque e desembarque dos passageiros e a integração entre diferentes modais, também possuem uma apurada preocupação estética em contribuir para a não multiplicação de estímulos visuais da cena urbana, sob o conceito de “um ônibus a mais”.

Segregação Socioespacial

A segregação socioespacial está intrinsicamente relacionada ao crescimento desordenado das cidades latino-americanas que obrigou a criação de assentamentos periféricos, segregados e com déficit de infraestruturas, incluindo desde saneamento básico até espaços de lazer. Uma condição que coloca em xeque o próprio “direito à cidade”, escancarando problemas de diversas ordens. Para tanto, existem estratégias fundamentais que procuram equiparar o acesso à cidade e melhorar a infraestrutura dessas regiões.

Uma delas é o projeto para a Favela Nova Jaguaré em São Paulo que procura resgatar o caráter público como premissa básica em uma mudança de paradigma do local, representando uma nova condição de apropriação pública, simbólica, lúdica e aglutinadora.

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Favela Nova Jaguaré - Setor 3 / Boldarini Arquitetura e Urbanismo. Imagem @ Daniel Ducci

Todavia, quando se fala sobre estratégias para diminuir a segregação social, não se pode deixar de citar também (e novamente) o caso das escadas rolantes implementadas em Medellín, na Colômbia. A ideia surgiu quando a empresa contratada estava desenhando um sistema de manejo de lixo, que incluía dutos em forma de tobogãs, para alcançar a parte baixa do morro. A rede de escadas rolantes públicas gratuitas contribuiu para mitigar a desigualdade imposta geograficamente aos moradores da comunidade em questão “encurtando distâncias e expandindo horizontes”.

Insegurança

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UVA Los Sueños. Imagem Cortesia de EPM

Várias estratégias urbanas têm sido incorporadas nas cidades latino-americanas para possibilitar espaços mais seguros e agradáveis, representando principalmente um esforço em modificar diretrizes de planejamento urbano como zoneamentos monofuncionais, ruas muradas e generosos recuos frontais, ou seja, tudo o que vai contra aos “olhos das ruas”, de Jane Jacobs.

Entretanto, além das estratégias acima citadas, há também iniciativas relacionadas a outros aspectos da infraestrutura urbana que, quando melhorados, correspondem a uma maior segurança, como a própria iluminação.

Para elucidar essa questão, trazemos novamente um exemplo de Medellín. No replanejamento da iluminação urbana da cidade, por meio de uma sobreposição de mapas, percebeu-se que existiam grandes “ilhas de escuridão” no tecido urbano. Estes espaços correspondiam a 144 reservatórios de água que haviam sido construídos nas periferias e que, à medida que a cidade se expandiu, foram incorporados a ela e se tornaram focos de violência e insegurança em bairros totalmente desprovidos de espaços públicos e equipamentos básicos. Procurando reverter essa condição, criou-se um programa no qual muitos desses reservatórios foram remodelados e assumidos como parques urbanos de qualidade e, claro, bem iluminados.

Escassez de Espaços Públicos

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Parque da Gare / IDOM. Imagem @ Pau Iglésias

Os espaços públicos de qualidade, como já citado acima, não podiam deixar de estar presentes nessa lista já que configuram pontos nodais fundamentais para o desenvolvimento do cidadão e seu acesso à cidade. Além de configurarem a paisagem urbana, são responsáveis por fatores de sustentabilidade, vitalidade e bem-estar, ocupando um lugar central na condição humana.

Hoje em dia, os espaços públicos assumem também outras dimensões de cunho político e social, como espaços de encontro e manifestação. Por essa importância na qualidade das cidades, e pelo abismo que seguimos enfrentando entre a necessidade e, de fato, a materialização desses espaços, destacamos aqui um exemplo brasileiro reconhecido internacionalmente, o Parque da Gare, no Rio Grande do Sul.

Por meio da requalificação do parque criado nos anos 1980, este projeto, além de uma infraestrutura de qualidade, traz também diferentes usos que possibilitam o convívio e a contemplação como espaço para feira do produtor, biblioteca, etc. É importante destacar também que, outras questões além da infraestrutura foram fundamentais para o sucesso do parque, e elas incluem os diversos programas de uso e apropriação criados pelas secretarias municipais.

Dentre tantos outros bons exemplos de espaços públicos que transformaram a região na qual foram inseridos, podemos destacar também o Parque Los Heroes, no México – um projeto que obteve sucesso em reverter as más condições espaciais e a segregação social da região onde foi implementado.

Falta de Planejamento Integrado e Participativo

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A Cidade Precisa de Você. Imagem @ Marcella Arruda

Guillermo Tella, diretor executivo do Plano Estratégico da Cidade de Buenos Aires, afirma que um plano estratégico oferece ferramentas que incrementam a coesão social, a competitividade econômica, a sustentabilidade ambiental e a capacidade de gestão inovadora e adaptável, indispensáveis em qualquer intervenção no território. Além disso, fortalece os canais de participação, otimiza processos do governo e instrumentos de intervenção criando estratégias para uma cidade mais igualitária e inclusiva.

O último dos desafios enfrentados pelas cidades latino-americanas apresentados aqui é, portanto, a importância em criar um planejamento integrado e participativo, dando voz também à comunidade como estratégia para responder às diferentes demandas que surgem de uma cidade muito plural.  

Dentre essas iniciativas, podemos citar a do Instituto “A cidade precisa de você” de São Paulo, que tem como foco a melhoria dos espaços públicos urbanos, articulando os vários atores da cidade para promover a autorregulação e a responsabilidade cívica sobre o uso, os cuidados e a gestão do espaço público.

E para finalizar, além das ações físicas, trazemos aqui iniciativas também virtuais. Ainda falando em planejamento participativo, é importante destacar o uso da tecnologia via aplicativos de celulares, como o uruguaio CityCop ou o brasileiro Colab, que procuram dar voz ao cidadão para que ele seja um participante ativo na construção da cidade.

A lista de desafios enfrentados pelas cidades latino-americanas hoje poderia se estender indefinidamente aqui. Entretanto, mais importante do que apresentar os problemas, procuramos trazer soluções – de pequena, média ou grande escala –, mostrando que existem estratégias e projetos saindo do papel que nos dão esperança em ver um futuro urbano melhor. Que continuemos celebrando o dia mundial das cidades com otimismo e disposição para contribuir com a melhoria da qualidade de vida nas cidades da América Latina e do mundo. 

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Sobre este autor
Cita: Camilla Ghisleni. "Dia Mundial das Cidades: desafios enfrentados pelas cidades emergentes da América Latina" 31 Out 2020. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/950287/dia-mundial-das-cidades-desafios-enfrentados-pelas-cidades-emergentes-da-america-latina> ISSN 0719-8906

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