Sem solo disponível, futuro dos cemitérios asiáticos precisa ser repensado

Em algumas das cidades mais densas do mundo, está se tornando um desafio cada vez maior encontrar um espaço confortável para morar - e o mesmo fato se aplica para sepultar. Estima-se que 55 milhões de pessoas morrem a cada ano e, para cada pessoa viva, há 15 vezes o número de mortos. No entanto, urbanistas e arquitetos estão mais interessados em lidar com os vivos do que se envolver com a morte. Como resultado, é criada uma tensão entre os dois mundos paralelos - e com o passar do tempo, mais questões estão sendo levantadas sobre como abordamos o espaço público de forma que ele seja projetado para que os vivos e os mortos possam coexistir.

O cemitério de Bukit Brown, um dos maiores cemitérios de Singapura, está situado em mais de 200 hectares e contém os restos mortais de mais de 100.000 cingapurianos e imigrantes por mais de um século. No entanto, este “local de descanso final”, pode não ser tão “final”. Em 2015, o governo de Singapura anunciou que cerca de 4.000 corpos seriam exumados, de forma a abrir espaço para um novo sistema de rodovias que em breve cortaria o cemitério pela metade. Mas a rotatividade de corpos no local dificilmente é notícia de última hora. Posteriormente, o Ministério do Desenvolvimento Nacional divulgou imagens renderizadas e anunciou que todo o cemitério, até 2030, seria convertido em um conjunto habitacional de grande escala, fazendo com que as famílias dos mortos se perguntassem para onde esses corpos seriam realocados e em qual prazo.

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Cemitério escavado em uma colina em Hong Kong . Imagem © Manuel Álvarez Diestro

Singapura não é a única cidade asiática que enfrenta problemas com o número crescente de túmulos. Hong Kong também sofre o mesmo dilema, mas ainda não encontrou uma solução tangível para lidar com o aumento de sepultamentos. O planejamento urbano a longo prazo em uma cidade onde à terra é sempre valiosa, exige que as pessoas tomem decisões difíceis quando se trata de escolher entre preservar cemitérios e demolir imóveis, de forma a promover o desenvolvimento urbano da cidade.

Dois fatores influenciam os sepultamentos em Hong Kong: as normas culturais que cercam as superstições da vida após a morte e os custos associados a viver em uma cidade hiper-densa onde literalmente não há mais espaço para os vivos ou os mortos. A cidade está repleta com uma combinação de cemitérios históricos, com sepultamentos que datam da Primeira e Segunda Guerra Mundial, além de uma série de cemitérios nas encostas desenhados seguindo as orientações de feng shui, ao invés de adotarem as linhas rígidas tradicionais. Embora o último cemitério público disponível tenha sido preenchido há quase quarenta anos, aqueles que tiveram a sorte de alugar uma sepultura particular esperam pagar mais de $ 1,8 milhões de HKD ($ 230.000 dólares) pelo privilégio.

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Cemitério escavado em uma colina em Hong Kong . Imagem © Manuel Álvarez Diestro

Como alternativa, existe uma lista de espera de seis anos, para aqueles que são cremados possam ser alojados em um pequeno columbário público - tempo de espera semelhante para alugar um apartamento de habitação social na cidade. Como muitos outros lugares, Hong Kong experimentou algumas alternativas malsucedidas de lidar com novos métodos de sepultamento. O governo anunciou uma política que exigiu que os trabalhadores dos columbários obtivessem uma licença - forçando metade a deixar seus empregos e 300.000 urnas serem devolvidas às famílias.

Além disso, espera-se que haja uma escassez de mais de 400.000 vagas para urnas até o final de 2023. Mas nada disso resolve o problema da falta de espaço. Embora Hong Kong tenha prometido construir 18 columbários adicionais, apenas dois foram construídos até agora, após a constatação de que mesmo essas instalações não eram suficientes para atender à demanda do envelhecimento da população da cidade. Ao mesmo tempo, as famílias estão se distanciando da tradição de enterrar membros da família nas proximidades, de forma que seus espíritos possam os vigiar. e preferem viajar para a China continental para enterrar seus entes queridos. Nesta região existe uma maior oferta de lotes disponíveis, mas as empresas os capitalizam com carência e os custos ainda ultrapassam um milhão de dólares de Hong Kong.

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Cemitério escavado em uma colina em Hong Kong . Imagem © Manuel Álvarez Diestro

Talvez a resposta venha com uma tentativa de mudar a atitude cultural com o que os cemitérios realmente representam. Embora muitas pessoas os vejam como uma terra que desperdiça espaço, alguns citam precedentes históricos de que os cemitérios nem sempre foram vistos como espaços anti-higiênicos cheios de momento mori, mas já foram epicentros sociais rurais, semelhantes a parques. Em cidades que carecem de espaços verdes públicos, os cemitérios tornaram-se destinos populares para feriados e outras reuniões familiares. É possível reconhecer os memoriais como simples exercícios arquitetônicos, completamente desconectados das preocupações espaciais e remover o tabu associado oferecendo aos cemitérios um programa multifuncional? Ou, devemos encontrar uma nova solução para os enterros tradicionais que ainda possam preservar a memória sem a necessidade de um espaço físico?

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Cemitério Pok Fu Lam de Hong Kong. Os enlutados visitam os túmulos durante o festival Qingming no início de abril, também conhecido como "dia da varredura do túmulo". Imagem © Manuel Álvarez Diestro

Ao passo que mundo se torna cada vez mais digital e interconectado através de nossos telefones, alguns governos estão recorrendo às redes sociais, com "cemitérios virtuais" para famílias que optaram pela cremação de seus parentes, mas não conseguem se dar ao luxo de oferecer um espaço físico para visitar seus entes queridos. Outros, como a Panasonic, com sede no Japão, recorreram aos cemitérios corporativos, comprando lotes dentro de cemitérios para alguns de seus funcionários, como parte dos benefícios da empresa. Em Kuala Lumpur, onde a cremação é uma tradição cultural, a necessidade de locais menores levou à comercialização de columbários, onde as urnas são armazenadas em cofres e podem ser acessadas por meio de um cartão de associado eletrônico. Nirvana, uma das empresas na vanguarda da indústria de armazenamento de urnas, tem planos de construir columbários adicionais em toda a Ásia, mas não tem conseguido acompanhar a demanda crescente.

Por enquanto, persistimos com os métodos tradicionais de sepultamento, com o intuito de homenagear nossos entes queridos na morte, tanto quanto faríamos se eles estivessem vivos. Para muitos, isso significa preservar sua memória com algo tangível e fazer uma peregrinação para visitar sua marca física na terra, seja um túmulo, columbário ou outro tipo de memorial. Até que haja uma solução mais sustentável e de longo prazo, continuaremos abrindo caminho para os mortos, qualquer seja seu custo.

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Sobre este autor
Cita: Overstreet, Kaley. "Sem solo disponível, futuro dos cemitérios asiáticos precisa ser repensado" [No More Room for the Living or the Dead: Exploring the Future for Burials in Asia] 08 Set 2020. ArchDaily Brasil. (Trad. Bisineli, Rafaella) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/947123/sem-solo-disponivel-futuro-dos-cemiterios-asiaticos-precisa-ser-repensado> ISSN 0719-8906

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