Nunca sentimos tanta falta do espaço público

Confinados, alguns em mais metros quadrados do que outros. Me lembrei do filme Medianeras, aquele argentino onde a protagonista discorre sobre a solidão urbana falando de apartamentos “mono-ambientes” ou caixas de sapatos, mas também de encontros virtuais. Aquela realidade cinematográfica de 2011 é ainda mais real nesse momento, onde começamos a planejar happy-hours virtuais.

O desafio atual é re-pensar a cidade sob outra ótica. Para urbanistas, o período de coronavírus nos questiona a negar os modelos de cidade que promovemos, um desenvolvimento urbano integrado e misto, que facilite e propicie convivências em espaços públicos.

A história nos conta que dos encontros religiosos e comerciais, como também via expansão de caminhos, estradas e ferrovias, nascem as centralidades. Os conhecidos bazares no Egito Antigo eram pontos de encontros que junto a outras sinergias que esses espaços propiciavam, foram formando aglomerações, povoados, cidades e fronteiras.

Hoje somos urbanos, e vivemos majoritariamente em cidades, tendência estimada a crescer. Porém morar em cidades muitas vezes é sinônimo de ocupar espaços pequenos, especialmente em megalópoles globalizadas, cidades capitais, ou até mesmo cidades intermediárias, e suas áreas mais centrais. 

Com o aumento do custo de morar nesses epicentros, somado à sua forma vertical que propiciou mais gente por metro quadrado urbano, as cidades foram se tornando lugares densos e até “claustrofóbicos”.  As que souberam aproveitar dessa densidade e conectar mais que distanciar as pessoas, promoveram um desenvolvimento “para pessoas”. Em outras palavras, promovendo “respiros urbanos” considerando centralidades territoriais como parques, praças, comércio local e espaços públicos em geral. 

Qualidade de vida nas cidades perpassa por ter  espaços públicos seguros e convidativos. Espaços bem planejados conseguem oferecer recreação e lazer para varias idades. Reconhecendo a importância de se exercitar em espaços públicos para a saúde mental de seus cidadãos, na França se autorizou como uma das poucas opções de saída rápida, um respiro público em tempos de corona pelas redondezas do seu lar.

A OMS recomenda 9m2 de espaço verde por pessoa como reconhecimento da importância desses para a saúde da população urbana. Em muitas cidades essa média não é alcançada, e quando alcançada sua distribuição no território não é uniforme; não é incomum encontrar bolsões de concreto em certas áreas da cidade ou até mesmo praças e parques que não atendem uma qualidade mínima para seu usufruto. 

Imagem cortesia de Instituto a Cidade Precisa de Você

Com a necessidade de isolamento social e com a dificuldade de limitar dinâmicas em espaços não controlados, públicos e abertos, a convivência neles fica completamente impossível no apoio ao combate ao vírus e achatamento da curva de contágio. Como bem disse a coluna do New York Times “Can City Life Survive Coronavirus?”: “Elas (pandemias) são anti-urbanos. Eles exploram nosso impulso de congregar.”

Em tempos de isolamento, e quanto mais o tempo passa, mais romantizamos a rua e os espaços públicos. Vivemos momentos de desespero para sair do confinamento, sair as ruas e aproveitar a coletividade. No entanto sabemos que esse coletivo carece de um devido zelo e métodos mais participativos de gestão, reconhecendo e empoderando comunidades locais no seu cuidado. A pesquisa da Rede Nossa Sao Paulo de meio ambiente, realizada em 2019, aponta que 53% das pessoas entrevistadas  avaliam a manutenção e preservação das praças da cidade como ruim ou péssima, ao passo que apenas 11% afirmam que é ótima ou boa.

A pesar da distância forçada, o momento exige um pensar coletivo, caso contrário a medida não funciona. O  isolamento pode e deve proporcionar uma reflexão e empatia aos “espaços comuns”, aos “nossos” territórios. Afinal estamos juntos tanto na pandemia, mas também em tempos normais, por mais que não nos sensibilizemos a isso. 

Estar e viver o comum é reconhecer o outro, os encontros, as ideias e a diversidade. O potencial  do urbano. Cuidar desses espaços é cuidar da nossa troca e de como nos relacionamos, e conectamos direta e indiretamente com as pessoas e com o nosso comum. Esse ocupar e zelar, já mudaram, vem e continuarão mudando. 

O que nos faz refletir, como será nosso comum daqui pra frente? 

Escrito por Carol Guimarães via Instituto a Cidade Precisa de Você.
Esse ensaio faz parte da campanha #saudadedarua. Confira mais sobre no instagram @acidadeprecisadevoce.

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Sobre este autor
Cita: Carol Guimarães. "Nunca sentimos tanta falta do espaço público " 04 Abr 2020. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/936862/nunca-sentimos-tanta-falta-do-espaco-publico> ISSN 0719-8906

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