Do ladrilho hidráulico ao alumínio: a irreverência de Flávio de Carvalho no Brasil moderno

Flávio de Carvalho foi um arquiteto moderno brasileiro reconhecido mundialmente por sua maneira inovadora e provocativa de mostrar sua visão de mundo através da arte. Conheça, a seguir, algumas de suas formas de manifestação artística.

Citado por muitos como 'multipotencial' por possuir habilidades diversas nas artes plásticas (foi pintor, desenhista, escultor e crítico de arte), na arquitetura (trabalhou com cenografia, projeto de móveis e decoração de interiores), na moda (foi figurinista) e na literatura sendo autor de diversos artigos na coluna 'Casa, Homem, Paisagem' para o jornal 'Diário de São Paulo'  na qual escreve sobretudo sobre arquitetura e urbanismo.

Flávio de Carvalho nasceu em uma pequena cidade no interior do estado do Rio de Janeiro em 1889, formou-se em engenharia civil pela Universidade de Durham, na Inglaterra em 1922, ano em que retorna ao Brasil firmando sua moradia na cidade de São Paulo, pouco depois de acontecer a 'Semana da Arte Moderna' no Brasil.

Arquitetura

É considerado um dos arquitetos pioneiros da arquitetura moderna brasileira, apesar de ter construído apenas dois de seus projetos: o conjunto de casas da alameda Lorena e a fazenda Capuava os quais serão abordados mais adiante.

Participou de diversos concursos públicos, como por exemplo para o Palácio do Governo do Estado de São Paulo, em 1927, no qual apresentou um edifício monumental com volumes decompostos marcados pela "intensidade dramática", segundo o juri, dos jogos de luzes vindos dos holofotes.

Projeto para o Concurso do Palácio do Governo do Estado de São Paulo. Image © Reprodução Fotográfica: Rômulo Fialdini. Via Enciclopédia Itaú Cultural.

Em 1930, foi conferencista no Congresso Pan-Americano de Arquitetos com "A Cidade do Homem Nu", cujo objetivo central era enfatizar sua tese ligada ao movimento antropofágico do homem despido dos preconceitos da civilização burguesa.

- O conjunto de casas da alameda Lorena (1936/1938)

Também conhecido como a "Vila Modernista dos Jardins", o conjunto está localizado na esquina com rua Ministro Rocha de Azevedo (bem próximo à Avenida Paulista).

Eram 16 casa implantadas da seguinte maneira: quatro casas contíguas, uma maior na esquina com a Ministro Rocha de Azevedo e outras sete em uma ruazinha particular aos fundos da alameda Lorena; e outras quatro casas na rua Ministro Rocha de Azevedo.

Conjunto de Casas da Alameda Lorena. Image © Reprodução Fotográfica: Rômulo Fialdini. Via Enciclopédia Itaú Cultural.

O interior das casas era mobiliados com móveis fixos projetados pelo arquiteto e executados em alvenaria. Entre outros detalhes de sua autoria estão os ladrilhos hidráulicos inspirados nos "Cinco Sentidos do Homem" que serão tratados a seguir.

Folder distribuído para os compradores das casas do conjunto da Alameda Lorena, por Flávio de Carvalho. Image via 44arquitetura

Atualmente, quase que toda a vila encontra-se desconfigurada dando espaço para estabelecimentos comerciais e construção de novos prédios.

- A fazenda Capuava (1939)

Fazenda Capuava. Image © Reprodução Fotográfica: Rômulo Fialdini. Via Enciclopédia Itaú Cultural.

É considerada como síntese de seu pensamento arquitetônico. Nela, a decoração é tão importante quanto a arquitetura! A frente do edifício tem a forma de um trapézio alto; e seu interior é um grande salão sem divisórias, com cortinas de panos coloridos que dançam com o vento. Os banheiros e a cozinha são revestidos com chapas de alumínio, material considerado extremamente moderno. Ela possui também uma lareira com cúpula da mesma matéria-prima pensada para soltar fumaça colorida, fato que, por si só, comprova a imaginação e irreverência do arquiteto.

Moda

Sua atividade no mundo da moda iniciou-se formalmente no ano de 1933 quando cria o 'Teatro da Experiência' e é autor e ator de o 'Bailado do Deus Morto' que tratava-se de um espetáculo que misturava teatro e dança com traços dos movimentos dadaístas e surrealistas. Nesta ocasião foi também responsável pela criação da cenografia e do figurino. Uma curiosidade acerca desse acontecimento é que Flávio de Carvalho optou por estruturar um elenco com atores negros que em sua maioria, que usavam máscaras de alumínio. Pouco tempo depois, o teatro precisou ser fechado (por ordem da polícia).

Sua mais polêmica ação na área aconteceu em 1956 quando chocou a sociedade ao desfilar em passeata pelo Centro da cidade de São Paulo com um traje masculino desenhado por ele inspirado no clima tropical brasileiro, o "New Look", como foi chamado, consistia na combinação de um saiote com uma blusa de mangas curtas, um chapéu de abas largas, todos feitos com tecidos leves, sandálias e meia arrastão. Sua proposta com essa manifestação era proporcionar o debate e reflexão sobre as convenções sociais.

Passeata de Flávio de Carvalho exibindo o “New Look” pelas ruas da cidade de São Paulo. Image via Nas Entrelinhas
Projeto do “New Look”, por Flávio de Carvalho. Image via Nas Entrelinhas

Artes plásticas

No geral, sua pintura cujas pinceladas possuem ritmo denso é classificada como expressionista, apesar de muitas vezes apresentar aspectos surrealistas.

Quadro “Anteprojeto para Miss Brasil” por Flávio de Carvalho, em 1931. Image © Reprodução Fotográfica: Rômulo Fialdini. Via Enciclopédia Itaú Cultural.

Dedicou-se frequentemente à produção de retratos, escolha justificada por seu intenso interesse em observar os aspectos psicológicos e as emoções humanas. Para valorizar as expressões faciais e exaltar a personalidade do retratado, utiliza cores fortes e enfatiza a região do rosto.

Muitos de seus retratos mais importantes foram pintados durante a década de 1930. Retrato de Oswald de Andrade e Julieta Bárbara (1939) e o Retrato de Mário de Andrade (1939).

Retrato de Mário de Andrade, por Flávio de Carvalho. Image © Reprodução Fotográfica: Rômulo Fialdini. Via Enciclopédia Itaú Cultural.

Para dedicar-se à sua expressão artística, fundou o CAM (Clube dos Artistas Modernos) em 1932, junto de Antonio Gomide, Di Cavalcanti e Carlos Prado, que foi fechado junto do encerramento das atividades do 'Teatro da Experiência'.
Dois anos mais tarde, em 1934, inaugura sua primeira exposição individual que foi fechada pela polícia por ter sido considerada um atentado ao pudor e reaberta dias depois graças à ação judicial.

Por vezes, habilidades se uniam. Um desses casos foi sua criação da linha de ladrilhos hidráulicos "Cinco Sentidos do Homem" que desenhou para revestir o piso do "conjunto de casas da alameda Lorena" na década de 1930. Tratam-se de cinco modelos que representam a visão, o olfato, o paladar, a audição e o tato.

Ladrilhos hidráulicos da linha “Cinco Sentidos do Homem” por Flávio de Carvalho.. Image Cortesia de Ladrilar

Em visita à Ladrilar, uma das fábricas que produzem a linha atualmente em São Paulo, acompanhamos a produção de uma peça do modelo olfato. Optamos por reproduzi-los em PB para manter os traços originais do arquiteto, no entanto, caso deseje utilizar a linha em algum de seus projetos, você pode optar por usar as cores que julgar mais conveniente.

As peças medem cerca de 20 x 20 cm e são produzidas artesanalmente. Para saber mais sobre ladrilhos hidráulicos clique aqui.

Moldes originais da linha ´Cinco Sentidos do Homem’, de Flávio de Carvalho na Ladrilar. Image © Audrey Migliani

Em 1947, realiza sua famosa "Série Trágica", cujo mote principal dos desenhos traz sua perspectiva sobre a morte de sua própria mãe.

Desenho da “Série Trágica” de Flávio de Carvalho. Image © Reprodução Fotográfica: Rômulo Fialdini. Via Enciclopédia Itaú Cultural.

Poucos anos antes de sua morte, foi vencedor do Prêmio Aquisição David Zieger (melhor pintor brasileiro) na IX Bienal de São Paulo, 1967.

Sua morte aconteceu no ano de 1973 na cidade de Valinhos, no interior do Estado de São Paulo e ainda em seus últimos trabalhos era possível perceber sua sede pela inovação e crítica, com o uso de materiais como tinta fosforescente, por exemplo.

Sua vida e obra o colocam no patamar de destaque no teatro,  considerado como pioneiro de performances que mudaram a cena teatral brasileira nas décadas de 1960 e 1970. Há quem o considere também como primeiro artista multimídia.

Ativistas irreverentes e questionadores como Flávio de Carvalho fazem muita falta no atual cenário da arquitetura e arte mundial.

Referências

Sobre este autor
Cita: Audrey Migliani. "Do ladrilho hidráulico ao alumínio: a irreverência de Flávio de Carvalho no Brasil moderno" 01 Abr 2019. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/913591/do-ladrilho-hidraulico-ao-aluminio-a-irreverencia-de-flavio-de-carvalho-no-brasil-moderno> ISSN 0719-8906

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