Cinema e Arquitetura: "Tropas Estelares" (1997)

O diretor Paul Verhoeven, na segunda metade da década de 90, já contava com a fama de criticar a sociedade moderna e sobretudo de ridicularizar o "american way of life" dentro dos seus filmes, mas foi com "Tropas Estelares" que o diretor mostrou o seu lado mais ácido e paródico. Este caráter do filme lhe faria merecedor da rejeição de uma grande parte do público estadunidense que, por um lado, não aceitava a sátira e por outro, via na obra uma grande apologia ao militarismo e ao governo fascista da metade do século.

A brincadeira acabaria por fechar-lhe as portas dos grandes estúdios americanos assim como a grande liberdade com que rodava seus filmes. Somente o tempo e os acontecimentos depois do 11 de setembro nos Estados Unidos, demostraram que sua crítica não era exagerada e que o imperialismo hoje em dia está mais vivo que nunca na sociedade. Ou seja, o filme não é outra coisa senão a desconstrução da sociedade contemporânea, uma dissecação em vida de um mundo que, globalizado, apresenta uma propensão a violência. 

A cidade dentro de "Tropas Estelares", apesar da sua estética mais futurística e própria da arquitetura vista na área de Los Angeles, é uma cidade globalizada. Localizada no outro extremo do mundo, Buenos Aires apresenta uma aparência anglo-saxônica, onde o próprio elemento da cultura latina foi suprimida. A presença da população de diferentes culturas em um mesmo espaço aumenta seu caráter global, onde as nações se unificaram em uma grande nação mundial.  

Apesar desta globalização a cultura dominante é claramente americana. Predominam os clichês mais clássicos, como o futebol americano como esporte de massas, o amor juvenil, o companheirismo militar entre outros, os quais falam de uma conquista a grande escala da raça anglo-saxônica em relação ao resto do globo.

Em tal sociedade futura, a violência é fundamental. Ser cidadão implica ser militar. Ser parte da tomada de decisões implica que o indivíduo seja partícipe da expansão da civilização humana. O cidadão é um conquistador e toda a expressão de pacifismo e passividade vai contra o que significa ser civilizado. A cidade já não é nutrida pelo desenvolvimento intelectual dos seus indivíduos, mas sim pela capacidade de expandir-se através do espaço pelo uso da força.

Verhoeven retrata esta sociedade como predominantemente burguesa, onde as pessoas vivem dentro de espaços de grande estilismo e com todas as comodidades. Predomina o uso de estruturas espaciais de grandes clarões e grande quantidade de luz natural para seus espaços públicos, enquanto que para as moradias opta-se por uma combinação de revestimentos cromados e vidro nítido. A tecnologia está inserida dentro da vida como um direito elementar da população. 

Talvez, onde a estética do filme chama mais atenção é na sua imagem militar. Com obviedade, os uniformes dos soldados estão inspirados na vestimenta nazi, mas que por sua vez misturam aspectos provenientes dos uniformes mais contemporâneos pertencentes a milícia americana. 

Os ambientes militares criam uma imagem artificial, pré-fabricada em todos os seus aspectos, onde o próprio homem é uma ferramenta a mais na máquina social. Os navios e postos avançados são repetidos no panorama com a estrutura militar, que elogia a monumentalidade e a enorme escala do poderio humano.

Na vida militar desparece o conceito de espaço privado. Tanto nos dormitórios, áreas de descanso e inclusive nos serviços sanitários não existe uma distinção de sexo. A disciplina militar consegue subjugar todo o desejo carnal e do indivíduo, não importando sua inteligência ou moral, ele é dissolvido no espaço e na vida pública. 

A Adaptação

A novela literária foi escrita por Robert A. Heinlein e publicada originalmente em partes pela revista “The Magazine of Fantasy and Science Fiction” em 1959. O livro narra em primeira pessoa a vida de John Rico, um jovem no final da sua vida acadêmica em direção à carreira militar. Ele passa de um jovem ingênuo a parte fundamental da infantaria móvel. 

Diferentemente do filme, os soldados utilizam armaduras altamente tecnológicas, como verdadeiros tanques. Ainda que no exército existam tanto homens como mulheres, na infantaria estas últimas não estão presentes, por este fato, posteriormente, o filme foi criticado como machista. Para isto é preciso lembrar a era do pós-guerra em que foi escrito.

Através dos olhos do personagem, o autor apresenta a moral e a filosofia social relacionadas com a guerra, a política e o militarismo. Pela exaltação da guerra o diretor foi acusado de fascista, entretanto, o livro oferece uma longa série de críticas à uma sociedade controlada pela política em mãos de seres que não são capazes do sacrifício. 

Adaptação de Paul Verhoeven optou por um tom muito mais satírico e paródico que o livro, do qual utiliza os pontos mais fundamentais e combinando-os com um estilo claramente fascista cria uma crítica ao imperialismo americano presente na sociedade atual.

CENAS CHAVE

1. O Buenos Aires Anglo-saxão 

Apesar de estar localizada no outro hemisfério terrestre, a capital latina apresenta uma estética futurística em sua arquitetura própria da cultura norte-americana. A presença latina foi reduzida. 

2. The Henman House / Malibú, Califórnia 

A sociedade futura habita uma vida estilizada dentro de um ambiente puro e tecnológico, com a presença predominante do aço e do vidro que lhes confere um ar artificial. 

3. Los Angeles Convention Center / Interiores

Para aumentar o carácter futurista, o filme é nutrido de estruturas espaciais onde predomina o uso do vidro e o espaço é ampliado pela dominante presença da luz natural. 

4. Desarticulação do Sonho Americano

Clichês da cultura americana como a presença do futebol, mostram-se com uma evidente caricatura rodeada por uma arquitetura de simulação que busca ridiculização.

5. Apologia à Guerra e à Xenofobia

O filme denuncia a sociedade como um ente facilmente suscetível ao controle midiático. Sua analogia ao passado reforça a ideia de que a história tende a repetir seus passos. 

6. Utopias Expansionistas 

Como fortalezas, a sociedade militar se lança a conquista espacial. O artificial e o pré-fabricado correspondem tanto ao caráter das suas estruturas como sua sociedade. 

7. O Espaço Público como Eixo da Sociedade

Bebendo do caráter cenográfico da arquitetura fascista, o espaço público pretende educar a população. O castigo em 'praça pública' é uma ferramente a mais para controlar o coletivo. 

8. Reinterpretação da Arquitetura Fascista

Bebendo do caráter cenográfico da arquitetura fascista, o espaço público pretende educar a população. O castigo ao ar livre é uma ferramenta para controlar o coletivo.

8. Deslocamento do Espaço Privado

Soldados de ambos sexos tomam banho ao mesmo tempo sem constrangimento. A disciplina militar subjuga qualquer desejo carnal mas também erradica qualquer noção de espaço privado. 

10. Propaganda Globalizada 

Através da presença de uma rede global de informação, repetidas cápsulas informativas propagam uma cultura baseada na violência, crua e sem censura a todos os indivíduos. 

FICHA TÉCNICA

Data de Estreia: 30 de janeiro 1997
Duração: 129 min.
Gênero: Ação / Ficção Científica 
Diretor: Paul Verhoeven
Roteiro: Edward Neumeier
Fotografia: Jost Vacano
Adaptação: Starship Troopers, livro

SINOPSE

Estamos no século XXIII, um futuro onde a sociedade tornou-se pró-militarista e onde somente os que prestam serviço militar são aptos para a política e para o direito ao voto. John Rico, um promissor universitário contrário ao seu destino de classe alta une-se a Infanteria Móvel, apenas para acompanhar sua namorada Carmen Ibanez no exército.

Após um ataque terrorista vindo de uma raça alienígena de insetos e a consequente morte de milhões, a humanidade decide contra-atacar, assim Rico se verá dentro de uma guerra que o excede e onde deverá formar seu caráter como soldado e cidadão. 

Sobre este autor
Cita: Altamirano, Rafael. "Cinema e Arquitetura: "Tropas Estelares" (1997)" [Cine y Arquitectura: "Starship Troopers" (1997)] 03 Jul 2015. ArchDaily Brasil. (Trad. Sbeghen Ghisleni, Camila) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/769388/cinema-e-arquitetura-tropas-estelares-1997> ISSN 0719-8906

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