Cinema e Arquitetura: "Equilibrium"

O pouco conhecimento sobre esse filme por parte do público geral talvez se deva ao fato de que foi um fracasso de bilheteria em seu país de origem e posteriormente a pouca iniciativa para o exibir no exterior. Em muitos países, injustamente, nem chegou a estrear. Somente o formato caseiro e o boca-a-boca souberam render tributo a um trabalho, que apesar do seu escasso orçamento, resulta brilhante em termos de imagem e embasamento teórico.

O filme nos leva a um mundo pós-guerra, por causas que desconhecemos mas que se tornam óbvias nas primeiras cenas, sobreviveu a uma terceira guerra mundial e se vê em meio a necessidade dramática de prevenir a todo o custo um novo conflito. E como meio drástico de controlar a população,  se cria um governo totalitário que por meio de uma droga, inibe os sentimentos das pessoas, tornando-as verdadeiras máquinas.

Esse mundo totalmente alheio as emoções nos mostra dividido em duas realidades. Por um lado temos o interior, a cidade que se mantém fechada, envolta em um ambiente limpo e organizado, frio e insensível onde a pessoas vivem como parte de um mecanismo que parece ser dirigido por uma mão invisível. Seu contraposto, o exterior, a periferia da cidade, nasce escura entorno das ruínas da antiga cidade. É um território selvagem, inóspito, cheio de conflitos e onde seus habitantes são estigmatizados e onde se refugiam os "criminosos" e revolucionários que se opõem ao estabelecido.

Para ambientar essa “zona negativa” o filme foi rodado em áreas reais da Alemanha Oriental, as quais ainda hoje trazem vestígios da segunda guerra mundial por suas ruas.

O cenários limpos e organizados foram filmados, quase em sua totalidade, na cidade de Berlim e pertencem a arquitetura fascista do regime nazista. A exemplo disso está o Estádio Olímpico, que foi o palco do - talvez maior - evento promocional do nacional socialismo e que se converteu no símbolo do seu poder. 

Além das locações, existe uma grande carga simbólica e eclética de outros regimes totalitários, assim como elementos que criticam os atuais governos capitalistas. Apenas é preciso olhar a própria imagem da cidade, a qual está atormentada por arranha-céus pertencentes ao estilo internacional, juntamente com edifícios de traços neoclássicos. Parece ser Nova Iorque misturada com a antiga Roma, enquanto enormes zeppelins projetam a imagem do "Pai" que não é mais do que um Stalin sem bigode e filiado ao catolicismo mais conservador.

Todos esses elementos servem para que a própria iconografia do filme se torne antagônica, não somente para o protagonista, mas também para o próprio espectador. Sua arquitetura procura incomodar a própria liberdade mediante suas proporções monumentais, ao mesmo tempo em que desumaniza mediante ao uniforme e repetitivo.

O fenômeno do "Grande Irmão" é exemplificado aqui com maestria. Sua imagem se projeta pelos céus, dentro da intimidade de cada lar e nas paredes das construções no espaço público. Não existe um lugar onde sua presença não se encontre e precisamente com isso estabelece seu domínio e poder, controlando o espaço que conforma a cidade.

O aspecto que mais se quer destacar é a perda da capacidade dos seus habitantes em sentir, diante do desaparecimento de todo o elemento humanizante dentro dos seus ambientes cotidianos; o trabalho da arquitetura, é criar um ambiente cheio de estímulos que desemboquem positivamente no desenvolvimento de quem o habita. Hoje em dia, parece que o objetivo da arquitetura é justamente como ela própria ordena.

1. O Espaço Negativo, a Área Proibida

A cidade se divide em dois. A periferia se torna território selvagem, despovoado e proibitivo. Para suas locações, foram utilizadas áreas devastadas pela guerra na Alemanha Oriental.

2. O Duplo Sentido do Cerco Militar

Para manter a ordem, a cidade se torna uma fortaleza de força letal. Isso é tanto uma proteção do exterior selvagem como uma prisão para favorecer o controle ditatorial dos seus habitantes.

3. A Utopia do Regime Totalitário

De edifícios monumentais e com influência das ordens clássicas, a cidade se assemelha a uma Roma contemporânea. A influência fascista sobrevoa a cidade em forma de zeppelins

4. A Presença do Grande Irmão

A mensagem do "Pai" é projetada a todo o momento, tanto nos grandes zeppelins como nas grandes telas por toda a cidade, em uma clara referência ao uso da propaganda durante o regime nazista.

5. Ecletismo em seu Simbolismo

Na ponta do governo está "O Pai", representado por uma figura divina. Sua bandeira lembra a do partido nazista e sua condição religiosa a de um Papa na jaula de cristal.

6. A Despersonalização dos seus Habitantes

O ambiente minimalista transmite um sentimento de grande desolação e solidão mostrando um habitat humano onde a emoção foi erradicada. 

7. Viver no Território da Antiga Cidade

De maneira hipócrita, para o governo da cidade não interessa o desenvolvimento do resto da população, que vive marginalizada, sem oportunidade e em condições degradantes de vida.

8. A Geometria da "Gun Kata"

Para manter a ordem, os "Clérigos" desenvolveram uma nova arte marcial baseada na geometria, que os converte em amos e senhores do espaço da cidade.

9. O Totalitarismo da Uniformidade

Como meio de controle dos seus cidadãos, o governo uniformiza todos os aspectos da vida cotidiana, desde espaços de trabalho até suas vestimentas.

10. A Beleza está no Cotidiano

Preston recupera a capacidade de sentir. Depois de uma noite de tormenta olha o amanhecer e descobre a beleza natural sob a criação máxima do homem.

11. O Palácio do Imperador

Contrário a ideologia uniforme e minimalista, o "Padre" vive coberto de luxos em meio a um verdadeiro palácio. Hipocritamente mantem sua capacidade de sentir intacta.

12. A Mão Invisível por trás da Propaganda

A imagem do pai é falsa e por trás dela existe uma equipe encarregada de controlar as massas. Ironicamente, não são mais do que outros fantoches sob uma mão invisível de interesses obscuros. 

PERFIL DO DIRETOR

Roteirista e diretor de cinema de origem estadunidense nascido em 1964. Estudou na Universidade da Flórida do Sul e é formado em História da Arte. Depois dos seus estudos se mudou para Los Angeles onde trabalhou como roteirista, adaptando projetos como "Sphere" e "O Caso de Thomas Crown".

Seu primeiro trabalho como diretor foi “One Tough Bastard”, filme que devido a sua violência estreou diretamente no formato caseiro. Seu segundo projeto foi “Equilibrium”, cuja direção apareceu em suas mãos por casualidade enquanto estava finalizando o roteiro. O projeto não contava com alguém suficientemente capaz e devido a profundidade da história foi oferecido a ele o posto. 

Dentro da narrativa do filme existem muitos elementos que se assemelham as obras “Farenheit 451" de Ray Bradbury, “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley, e “1984" de George Orwell. Tal paralelismo é tanto uma homenagem, como um recurso na concepção do mundo, já que, ao serem obras literárias muito conhecidas, rapidamente o espectador pode entender o embasamento da história sem necessidade de vê-lo na tela.

O diretor justifica que, apesar da clara referência, sua obra adquire valor próprio ao ser um drama que o protagonista sofre ao  se reintegrar ao mundo sensorial.

FICHA TÉCNICA

Data de Estreia: 6 de Dezembro 2002
Duração: 107 min.
Gênero: Ficção Científica/Ação
Diretor: Kurt Wimmer
Roteirista: Kurt Wimmer
Fotografia: Dion Beebe

SINOPSE

Situados depois de uma terceira guerra mundial, as emoções humanas foram suprimidas, consideradas a causa da decadência humana. Toda a expressão artística foi proibida e qualquer emoção é castigada com a morte. Para confrontar essa condição, o governo fornece um medicamento inibidor conhecido como "Prozium".

A “Tetragrammton”, ordem composta por guerreiros  treinados em avançadas artes marciais se encarrega de vigiar a população. Chefiada por Jhon Preston, quem enfrenta uma situação atípica, um dos seus companheiros começou a sentir... e ele põe em dúvida todos os seus princípios. 

Galeria de Imagens

Ver tudoMostrar menos
Sobre este autor
Cita: Altamirano, Rafael. "Cinema e Arquitetura: "Equilibrium"" [Cine y Arquitectura: "Equilibrium"] 27 Jun 2014. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/623154/cinema-e-arquitetura-equilibrium> ISSN 0719-8906

¡Você seguiu sua primeira conta!

Você sabia?

Agora você receberá atualizações das contas que você segue! Siga seus autores, escritórios, usuários favoritos e personalize seu stream.