Arte e Arquitetura: Corporidades / João César de Melo

João César de Melo é um arquiteto urbanista brasileiro e artista autodidata, que durante as aulas de teoria da arte e da arquitetura identificou-se com trabalho de artistas e arquitetos construtivistas, fazendo-o olhar para seus próprios desenhos como algo mais que uns “rabiscos”. A partir daí passou a tentar inserir seus desenhos em seus projetos na faculdade. Durante o carnaval de 1999, fugindo da folia, teve a ideia de pintar.

Tela © Cortesia João Cesár de Melo

Na semana seguinte sua então namorada levou uma das telas para o escritório de arquitetura onde trabalhava para mostrar aos seus colegas, acabando vendendo para um deles. Voltou de lá também com uma encomenda de uma outra tela e também de um mural. Em pouco mais de dois meses João César de Melo pintou outros trabalhos foi convidado para sua primeira exposição individual, na qual teve todas suas telas adquiridas logo na noite de abertura.

Tela © Cortesia João Cesár de Melo

Nos anos seguintes foi dividindo-se entre os estudos e a pintura, fazendo exposições e atendendo clientes, cada vez mais percebendo o quanto o ambiente urbano e a arquitetura o influenciava.

Com a graduação João César de Melo voltou-se mais para sua arte e também para a literatura, enxergando também na palavra um exercício estrutural, como seus desenhos e pinturas.

Segundo o arquiteto-artista:

A vivência urbana é minha principal referência, tendo minha produção como uma releitura constante das relações estruturais e paisagísticas que constituem a cidade. Em meus percursos diários, absorvo as diversas escalas, velocidades e texturas da cidade, entendendo seus dramas e buscando deste conjunto conceituar as estruturas que pinto.

Minhas pinturas são conjuntos de elementos ancorados, apoiados, conectados e relacionados entre si, num constante exercício de equilíbrio e desequilíbrio, entre a ordem e a desordem, sendo cada obra apenas um exercício estrutural.

Tela © Cortesia João Cesár de Melo

Desde que me mudei para Santos dedico grande parte de seu tempo ao desenho livre, tendo-o como principal vetor de meu processo criativo. Do papel vou para a tela e para a parede.

Mural © Cortesia João Cesár de Melo

Meus desenhos são os croquis de minhas telas e murais, mas não para serem passados a limpo noutra escala. São apenas exercícios estruturais, sempre. Pinto com pincel e rolinho, utilizando tinta acrílica de parede. Minucioso no desenho, gosto que minhas obras demandem bastante tempo para serem produzidas, pois, é nesse processo que outras coisas fluem em sua mente, principalmente reflexões sobre a cidade, sobre a sociedade e também sobre seu próprio trabalho.

Mural © Cortesia João Cesár de Melo

Enquanto minha produção de desenhos registra centenas, talvez milhares ao ano, minha produção de pintura sobre telas é pequena, indo e vindo entre séries paralelas de 20 a 30 telas por ano.Desde o ano de 2009 realizo o projeto AMBIENTE E PROCESSO CRIATIVO em faculdades de arquitetura, onde ofereço aos estudantes palestras e oficinas, o que vem lhe ajudando muito a entender meu próprio processo criativo. “

 

Felipe Scovino – Crítico de Arte o descreve:

Distintos métodos, gestos e temas sobre o corpo circulam pela obra de João César de Melo. Ao falar sobre o corpo na arte contemporânea encontramos duas vertentes: a do excesso (do acúmulo de teorias e reverberações sobre o mesma tema) e a da investigação meticulosa e preocupada com a instauração de uma nova possibilidade para se pensar sobre o lugar do corpo em um mundo instaurado por dúvidas, medos e violência. Melo trilha o segundo caminho. Além disso, seu trabalho opera com a instância de se ter o corpo, não apenas como tema e método, mas ponto de partida para um lugar que fica entre o desejo e a utopia. Seus projetos, sejam pictóricos, arquitetônicos, site specific ou desenhos sobre o corpo, desejam – todos eles – legitimar subjetivações. Como afirma Deleuze, “pensar é sempre experimentar, não interpretar, mas experimentar, e a experimentação é sempre o atual, o nascente, o novo, o que está em vias de fazer.”

Tela © Cortesia João Cesár de Melo

O corpo em Melo não aparece apenas nos seus desenhos sobre o corpo – uma realização profícua de termos não mais uma estrutura biológica mas um território orgânico para a prática expressiva do desenho que logo se converte em pintura – mas também em suas “instalações pictóricas”, onde por meio de escalas que dialogam com o espaço onde a pintura passa a habitar naquele momento, sua obra avança e introjeta uma possibilidade de se pensar o vazio do cubo branco como um campo ampliado de experimentação e investigação de uma produção artística, que prima pelo diálogo entre arquitetura e artes visuais. Estamos diante de um corpo espacial que nos oferece “cidades imaginárias” ou “objetos utópicos” que em sua aparente inutilidade nos apresentam um campo de experiências pulsantes e reordenam novas possibilidades de pensarmos sobre o campo de produção contemporâneo das artes visuais.

Se essas mesmas “cidades” têm uma atmosfera de silêncio e suavidade em suas telas, na transposição para as instalações elas adquirem uma aura de espetáculo. Nesse processo há sempre o imperativo e o acidente ou, recuando para termos conhecidos pelo Iluminismo, a necessidade e o acaso ou ainda, se quiserem, o determinado e o indeterminado pela vontade. O resultado plástico nas ações, nos desenhos, nas instalações, e seu processo, contrariam a tendência à busca das manifestações espetaculares e sublinham uma dimensão original da estética da delicadeza.

Tela © Cortesia João Cesár de Melo

Hoje o desenho possui uma autonomia que lhe dá o mesmo estatuto da pintura, gravura, instalação, performance, foto ou vídeo. O desenho tem uma vida própria e independente, está longe do seu passado subordinado e dependente como preparação a uma obra final, seja uma pintura, seja uma escultura. A substância da autonomia conquistada pelo desenho se encontra ali onde alguma coisa se traça e se materializa, não apenas na questão da linha – no sentido tradicional do desenho – nem tampouco no sentido que a arte contemporânea tem adotado largamente, quando toda vez que pintam sobre o papel, chamam isso de desenho, e aquilo pode ser considerado pintura sobre papel. Contudo, no caso de Melo, há o sentido maior de desenhar, de traçar algum caminho, mesmo que seja por conta de um improviso, acaso ou acidente.

Tela © Cortesia João Cesár de Melo

É justamente na contaminação do espaço por esses acidentes que temos a maior contribuição desse artista ao meio das artes: nos parece que esses espaços fogem ao seu controle, por mais que evoquem um planejamento. É um ato contínuo mas permeado pelo exercício experimental da liberdade.

Tela © Cortesia João Cesár de Melo

Os desenhos/ações de Melo sempre aparecem pelo prisma da delicadeza e não pelo prisma do espetacular, ou seja, entre o espetáculo e a delicadeza todos os seus trabalhos primam por escolher o caminho de estar no mundo no momento do aparecer, ou seja, eles apenas aparecem no mundo, e não querem ser flagrados além disso.

Mural © Cortesia João Cesár de Melo

Eles aparecem e ali cessam o momento do ser deles. Eles são enquanto aparecem, e não existem além disso, ao contrário de muitos trabalhos contemporâneos que, com ou sem legitimidade, dependendo da escolha e potência poética do artista, optam pelo caminho contrário, que é o de acontecer pelo prisma espetacular, ou seja, aparecem com uma contundência enorme e plena. Estamos diante de uma produção que possui uma compulsão à proliferação: sua obra está em contínuo fluxo demarcando o território da arte com senso de investigação e sensibilidade.

Tela © Cortesia João Cesár de Melo

Sobre este autor
Cita: Joanna Helm. "Arte e Arquitetura: Corporidades / João César de Melo" 17 Jun 2012. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-54490/arte-e-arquitetura-corporidades-joao-cesar-de-melo> ISSN 0719-8906

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