Sobre Arte, Urbanismo, e Gehry em LA: uma conversa com Edwin Chan

Este artigo originalmente aparece no blog de Metropolis MagazinecomoQ&A: Edwin Chan”, uma entrevista de Iman Ansari com Edwin Chan, sócio de Frank Gehry por 25 anos, sobre Gehry e os muitos projetos significativos, institucionais e culturais, em que trabalhou antes de começar seu próprio escritório, EC3.

Iman Ansari: Quando olhamos para o trabalho de Frank Gehry ou Thom Mayne, como arquitetos de LA, há uma certa relação simbólica com a cidade evidente no trabalho: o caráter industrial destes edifícios e elementos da cultura da rodovia ou do carro que vinculam a arquitetura à infraestrutura urbana, a escala dos projetos, bem como o uso consciente de materiais como metal, vidro ou concreto. Mas como objetos autônomos de aparência industrial no coração da cidade, estes edifícios também incorporam certos ideais e valores exclusivamente americanos, como individualismo e liberdade de expressão. Em sua opinião, como o trabalho de Frank Gehry se vincula a Los Angeles ou à cultura americana?

Edwin Chan: Absolutamente. Penso que o trabalho de Frank definitivamente tem o DNA de LA como cidade. Falamos muito sobre a ideia de uma cidade democrática, e por coincidência Hillary Clinton mencionou esta questão recentemente em seu discurso dizendo: “Precisamos de uma nova arquitetura para este novo mundo, mais Frank Gehry do que clássico”, porque é a expressão da democracia. Neste sentido é possível pensar no edifício incorporando certos valores que se manifestam através da arquitetura.

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Você já fez alusão a muitos deles, como a diversidade de materiais, a escala e a heterogeneidade, e estes são também o DNA da sociedade em que vivemos. Mas, pessoalmente, penso que em adição a tudo que falamos, há dois aspectos urbanos principais que se destacam: O primeiro é a luz; LA é uma cidade, como você sabe, de uma horizontalidade única. Quando está na cidade, você constantemente vê o céu e ele sempre é parte de sua visão periférica – o oposto de uma cidade como Nova York, onde você está sempre cercado por edifícios – e por causa disso, você tem plena consciência das mudanças na luz. Portanto, a arquitetura e também sua materialidade precisam sempre ser muito sensíveis em relação à luz. E algumas vezes são parte muito importante das decisões.

Esta abordagem também acontece em alguns dos projetos em que trabalhamos internacionalmente. Por exemplo, um dos motivos para usarmos titânio no Museu Guggenheim em Bilbao foi pela maneira como ele reagia à luz na cidade. Não foi uma decisão estilística por si só. Como você sabe, Bilbao é uma cidade com indústrias pesadas e aço, e sabíamos desde o começo que o edifício seria de um material metálico pesado que faria referencia ao caráter industrial do lugar. Pensamos então em aço inoxidável e outros materiais por muito tempo, mas não gostamos da maneira como eles respondiam à luz. No norte da Espanha chove muito, e queríamos um material que irradiasse uma espécie de calor e trouxesse o céu para dentro do edifício. Foi assim que chegamos à decisão de usar titânio no prédio. Em outros locais utilizamos outros tipos de materiais. Então realmente depende de onde o projeto está. Mas a ideia da materialidade e como ela responde à luz é muito importante, e acho que desenvolvemos esta sensibilidade em LA.

O Segundo aspecto é o caráter mundano da cidade. Em outras palavras, quando pessoas visitam LA, principalmente europeias, notam um tipo de cidade muito diferente da tradicional. Parte disso é por sua característica “mundana”. Mas ao mesmo tempo há uma beleza no mundano. Então como você captura esta qualidade? E como você faz com que ela seja notada? Muitas vezes as pessoas a negam. Frank também fala sobre isso, e foi assim que ele chegou ao alambrado. É um material usado em jardins o tempo todo, mas quando usado como arquitetura, começam a questioná-lo. Então a questão é exibir e trazer o foco para estes valores. Em alguns aspectos é muito Duchamp. Porque é parte de um tipo de sensibilidade que vem da arte moderna: dar valor a coisas mundanas ou enfatizar sua beleza.

Edwin Chan with Frank Gehry. Image © Thomas Mayer

IA: Olhando para Spiller House em Venice, Califórnia, que é um dos primeiros projetos de Frank, vemos o interesse no uso do metal ou madeira mundanos. Mas, além disso, acho que mesmo a maneira como a casa é montada e como os materiais se juntam expressam esta característica mundana. Os materiais parecem tão brutos, inacabados ou não pintados, e você pode de fato ver os encaixes e ligações que os une.

EC: Isto é verdade e em parte tem a ver com a cultura de construção na costa oeste e com o uso de madeira 2x4 e metal ondulado. Também há um aspecto inacabado do edifício, característica dos primeiros trabalhos de Frank. Mas acho este projeto importante por ser parte da paisagem da rua. O edifício tem uma parte mais baixa na frente, que se relaciona com a escala da rua e os edifícios adjacentes, e há uma segunda parte posterior mais alta. No trabalho de Frank há sempre esta ideia de quebrar o edifício em partes menores como uma forma de se ajustar à escala. Você também pode ver que este tipo de escala e estética é muito alinhado com outros edifícios em Venice, Califórnia. Há, portanto, um caráter industrial único que faz com que ele se encaixe bem.

IA: Você falou mais cedo sobre seu interesse por arte, e que uma das principais razões que o atraiu pelo trabalho de Frank Gehry foi sua visão dele como uma forte conexão com o mundo da arte e o diálogo com o artista. Arte é obviamente um conceito vasto e pode com frequência ser ambíguo. Qual é sua definição de arte? E em que aspectos dela você está particularmente interessado?

EC: É interessante porque se você se sentar com qualquer arquiteto que eu conheço, eles diriam exatamente se interessar por arte. E não consigo imaginar um arquiteto que diria não estar interessado em arte. É então, de alguma maneira, um pouco cliché dizer isto. Entretanto eu deveria dizer que sou muito mais visual porque meus olhos são muito mais desenvolvidos do que meus ouvidos. Conforme trabalhei, ao longo dos projetos em que estive envolvido, evitei ao máximo salas de concerto, e estive mais interessado em museus. Para mim, portanto, arte é visual. Mas penso que hoje em dia a geração mais nova de artistas trabalha de forma multidisciplinar, o que também é interessante para mim. Admiro artistas que trabalham com meios tradicionais, mas acho que me interesso mais por artistas que trabalham com diferentes tipos de mídia. E embora eu tenha dito me interessar por arte, nunca me imaginei como escultor ou pintor. Eu gosto de tirar fotos, mas nunca tive paciência para pintar ou fazer escultura. Acho que o diálogo com o artista que é interessante. Porque as questões que interessam o artista são, de alguma forma, mais táteis ou menos teóricas. Assim as discussões que você teria com o artista em processo criativo são em geral sobre diferentes tipos de tópicos, e é isso que me interessa e entusiasma.

Chiat/ Day/ Mojo, Venice, Califórnia. Imagem Cortesia de an-onymous.com.

IA: Então, nesse sentido, você considera arquitetura como outro meio de arte? 

EC: Eu não definiria dessa forma. Acho que, de certo modo, estamos todos envolvidos em um tipo de esforço criativo e penso que a arquitetura é uma das várias atividades criativas. Eu hesito em rotular, pois não acho que seja saudável pensar dessa forma. É que na arquitetura, o meio pelo qual escolhemos expressar essas ideias acaba sendo o ambiente construído, enquanto os artistas podem ter escolhido um meio diferente de explorar o mesmo conjunto de ideias.

IA: Eu gostaria de falar sobre o edifício Chiat/Day/Mojo. Este projeto é particularmente interessante para mim pelo que você descreve como diálogo entre arte e arquitetura. Os grandes binóculos são uma colaboração entre Frank Gehry e o escultor Claes Oldenburg. O trabalho de Claes aqui é interessante e irônico para mim, especialmente por seu trabalho com objetos cotidianos, construindo-os fora de escala.

EC: O edifício foi projetado na época para a agência de publicidade Chiat/Day/Mojo, mas agora pertence ao Google como parte de sua expansão em Los Angeles. Jay Chiat era amigo de longa data de Frank. Jay queria muito criar um edifício que estimulasse a criatividade. Voltando então à sua questão, isto é arte ou arquitetura? Claro que os binóculos foram uma colaboração entre Frank e Claes. Ele foi muito importante para a arte pop na época (começando nos anos 1960). Muitas pessoas viram o edifício como uma espécie de arquitetura pop com os binóculos. Mas eu gostaria de pensar nele como um tipo de resposta urbana.

Quando se constrói qualquer coisa em Venice, Califórnia, há um limite de altura de cerca de 9 metros. Portanto, quando se pensa na relação do edifício com a rua, o que você faz para abordá-la? Também é preciso ter em mente que quando este edifício foi construído nos anos 80, o discurso da arquitetura era o pós-modernismo. E havia pessoas como Michael Graves fazendo seu tipo de fachadas planas bidimensionais. Assim, de alguma forma o que suponho – e isto é apenas uma especulação – é que, ao invés de fazer uma fachada plana, criar uma fachada que se relaciona com a rua com uma série de objetos ou esculturas que tem profundidade.

IA: O prédio parece que poderia ser três ou quatro diferentes tipos de edificação, e até feito por diferentes arquitetos. Mas o que é interessante aqui, para mim, é também a quebra de escala. Porque considerando o limite de 9 metros, se você procurasse uma expressão monolítica, a frente da rua pareceria curta e muito larga.

EC: A outra maneira de pensar sobre isso é que, para Jay Chiat, havia outros requisitos de programa específicos. Assim, a ideia era que cada elemento aqui expressasse alguns aspectos sobre o programa da agência ao expressar o tipo de espaço interno. Até dentro dos binóculos há salas de reunião e os espaços internos estão realmente sendo utilizados. E quando você olha para a parte posterior do prédio, também tem sua própria expressão única com janelas perfurando-o. 

IA: Você está sugerindo que os binóculos sejam não apenas escultura ou arte, mas arquitetura de fato?

EC: Bem, este é um tópico diferente e depende de com quem você converse. Mas vamos apenas dizer que espacialmente é habitado e utilizado de diferentes formas. Assim, a ala esquerda tem escritórios de funções diferentes daqueles na ala direita. E então no meio, que é a entrada direta, há salas de conferência e dentro dos binóculos há salas de reunião mais privadas. Portanto, não são apenas peças esculturais, mas de alguma forma projetam a natureza distinta do seu uso e requisitos espaciais. E, claro, todo cliente quer mais espaço dentro de seu edifício, independentemente de sua função. Assim, ao expressar as partes do edifício com esta variedade, cria-se seu caráter único dentro da homogeneidade do programa todo.

IA: Estou interessado em ouvir mais sobre os binóculos e a colaboração com Claes Oldenburg. Os dois fizeram mais colaborações juntos? 

EC: Sim, fizeram, mas este é o único realmente construído. Frank também colaborou com outros artistas de sua geração como Richard Serra. Uma das conversas que Frank teve com Claes é o mesmo tipo de conversa que estamos tendo agora, sobre o que constitui arte versus arquitetura. Frank (ou Claes) em algum ponto disse que “para se tornar arquitetura precisa ter uma janela”. Decidiram então colocar aquelas pequenas janelas que você vê nos binóculos.

IA: Aqui, no trabalho de Claes Oldenburg vemos uma obra de arte – uma grande escultura de um par de binóculos -  tentando se tornar arquitetura às custas da adoção de elementos arquitetônicos domésticos: a escultura se torna arquitetura ao adquirir janelas. Mas o que você acha da forma como a arte é percebida aqui? No conceito tradicional de arte – por exemplo, uma pintura impressionista ou mesmo cubista de um cenário – o objeto de arte (a pintura) representa uma ideia ou impressão de um conceito (o cenário) que existe fora dela. Na arte moderna ou contemporânea, entretanto, quando vemos o trabalho de Piet Mondrian e suas séries de composições, o objeto de arte é a ideia real e não está se referindo ou significando nada fora de si mesma. Mas há também outros trabalhos que tem características espaciais e arquitetônicas embutidas neles. Na minha visão, o que Richard Serra conseguiu com alguns de seus trabalhos é um passo além do movimento moderno na arte, não só pelo objeto de arte não se referenciar a uma ideia ou conceito fora dele mesmo, mas também reconhecer e se dirigir ao espectador em um nível fundamental; os objetos demandam uma interação cognitiva com o espectador, e de fato o significado da obra de arte permanece nessa experiência subjetiva. E esta “nova subjetividade” é algo diferente da experiência sensorial do espaço.

EC:  Bem, eu penso que seja muito fácil estabelecer uma relação próxima entre o trabalho de Frank e as esculturas de Serra. Por exemplo, as pessoas acham que o grande espaço de galeria em Bilbao foi projetado para a escultura de Richard Serra e eu seria o primeiro a discordar. Na verdade a escultura veio depois e, em minha opinião, não sei se fica tão bem na galeria. Mas no trabalho de Serra em geral há um interesse pelas superfícies, e como você sabe houve um período na carreira de Frank em que ele explorava o peixe como inspiração. O uso do software aeroespacial Catia permitiu a Frank explorar este interesse, e também neste caso deliberadamente possibilitou a Serra buscar também seu trabalho – desde que Frank o apresentou esta tecnologia. Neste sentido a similaridade pode ser a sobreposição de software e tecnologia que permitiu ao arquiteto e ao artista buscarem seus próprios interesses. 

Loyola Law School, Los Angeles, Califórnia. Imagem Cortesia de an-onymous.com.

Mas acho que para mim é a ideia da experiência sensorial da arquitetura que é interessante, e as pessoas com frequência tem medo de falar sobre isto. E isto é porque eu sempre fui fascinado por arte, porque de alguma forma a disciplina de arte é muito mais livre para enfrentar estas questões. Acho também que isto leva a uma questão maior que é o aspecto escultural da arquitetura. Historicamente acho que não havia este tipo de limite entre o artista e o arquiteto. Quando vejo alguns dos trabalhos de Richard Serra é muito fácil dizer que poderia viver no espaço de sua escultura. A ideia deste tipo de dualidade, que a arquitetura de alguma maneira é uma escultura viva, é o valor fundamental em que todos nós acreditamos e que muitos arquitetos e artistas fazem. Acho que é importante derrubar esta barreira entre o que arquitetura e o que é arte.

IA: Você acha que os binóculos foram uma tentativa na direção de fundir estas barreiras?

EC: Eu não estava lá na época, então não posso falar dessa experiência. Mas eu pensaria de alguma forma que foi mais intuitivo, através da amizade deles, e que queriam usar o projeto como um veículo para futuras conversas artísticas. Mas a história oficial é que Frank e Jay estavam em uma reunião no escritório. Frank sempre tem coisas que o interessam em seu escritório e pelo seu estúdio. Neste dia Frank tinha perto de sua mesa um par de binóculos que Claes fez para ele. Eles estavam conversando sobre o projeto e discutindo o que fazer com a fachada, e em algum ponto Frank colocou os binóculos na maquete, e disse que poderia ser algo desse tipo! Aconteceu então dessa forma espontânea. 

Capela em Loyola Law School. Imagem Cortesia de an-onymous.com.

IA: Eu acho a história toda interessante porque mesmo com a exploração de Frank do peixe, há uma abordagem similar no trabalho de Claes no que diz respeito à ideia de escala: pegar o objeto – ou a ideia do objeto – e construir fora de escala.

EC: Eu gosto de pensar de uma forma um pouco diferente. Em alguns aspectos, voltando a algumas das questões que você levantou anteriormente, há aqui uma ideia de movimento e de como incorporar ou explorar a ideia de movimento na arquitetura, o que volta à ideia da cidade. Porque acho que de alguma forma o interesse de Frank pelo peixe é uma maneira de explorar indiretamente a ideia de movimento, pois a maneira como o peixe se move é muito bela. E esta ideia de movimento foi explorada antes no período barroco do movimento moderno e o trabalho de Le Corbusier ou Mies van der Rohe. Hoje, com a tecnologia, a ideia do peixe é uma das formas de explorar a ideia de movimento.

E é também por isso que Loyola Law School é um trabalho muito importante entre os projetos coletivos de Frank. Foi um ponto de partida onde ele começou a fazer projetos institucionais maiores. O projeto é todo sobre criar espaços públicos. Em um dia de aula você vê como o espaço está sendo usado. É sobre arquitetura fazendo uma paisagem urbana. Cada um desses edifícios são salas de aula. Assim, parte da ideia é ter os escritórios separados enquanto as salas de aula tem sua identidade própria, e começam a formar estes espaços para estudantes. E muitas das escadas aqui são de emergência e feitas como parte da experiência arquitetônica. A maior parte das pessoas colocaria estas escadas no espaço do shaft e se esqueceria delas. Por que não fazê-las parte da experiência urbana? Os edifícios aqui estão em diálogo uns com os outros.

IA: Há uma qualidade mística ou misteriosa neste projeto, que me lembra o trabalho de John Hejduk e de Aldo Rossi. Há uma ideia de fragmentos de tipologias arquitetônicas, bem como de edifícios agrupados ou individuais dentro de uma paisagem de cidade. A arquitetura aqui alcança não apenas a autonomia, mas a individualidade, e os edifícios começam a se comunicar entre si. Como um observador, você se encontra preso naquele olhar ou momento de encontro.

Guggenheim Museum em Bilbao, Espanha. Imagem Cortesia de an-onymous.com.

EC: Este projeto é uma peça importante do quebra-cabeças. Falamos sobre os primeiros trabalhos e agora você pode começar a ver a continuidade dele em escala média, que continuará até projetos de grande escala como Disney Hall e Bilbao. Mas no fim seria interessante pensá-lo em um contexto de evolução dos três tipos de trabalho como uma continuidade de desenvolvimento de certos conceitos urbanísticos sobre Los Angeles. Não é apenas escultura para ser autônoma ou icônica por si só, mas estar a serviço da experiência e ativando a esfera pública.

IA: Vamos falar sobre Guggenheim Museum in Bilbao. Muitas vezes o museu é pensado como o único edifício que mudou uma cidade inteira. E a reverberação deste “efeito Bilbao” sussurrou novas possibilidades (urbanísticas) para arquitetura. Você vê o museu como o ícone que transformou a cidade?

EC: Eu acho que muitos também pensam em Bilbao como uma escultura independente. Mas esquecem de que quando se abordamos pela primeira vez o Guggenheim e mesmo depois da conclusão, sempre pensamos nele como um projeto de infraestrutura. Na verdade, na época já havia a visão de criar um plano diretor que incluía não só um edifício mas uma abordagem holística de infraestrutura de como imaginava-se a cidade. Assim, Bilbao é apenas uma pequena peça do quebra-cabeça. E eu diria que é um equívoco comum sobre ele. É que acabamos fazendo um edifício bem interessante. Mas ele deve ser entendido no contexto de uma visão mais ampla que inclui metrô, nova estação de trem, uma série de outros edifícios culturais, e uma visão do litoral e tudo mais que foi implementado de uma forma muito sistemática. Não é, portanto, apenas um objeto, mas uma sinergia de diferentes partes que criaram isto. Claro que cada parte deveria ser distinta. Mas outras cidades tiveram a impressão de que era possível construir apenas um edifício e ter o “efeito Bilbao”, e nunca funciona desse jeito. A arquitetura para ser icônica sem o programa, infraestrutura, suporte, etc. raramente tem sucesso.

IA: Conversamos brevemente sobre a ideia de Frank de re-conceituar a prática da arquitetura, e acho que com isso vem um novo processo de produção. E uma das coisas que me interessam neste processo é o uso de modelos do escritório de Gehry. Pelo que entendo, o processo sempre começa com blocos programáticos identificados por cores e o estudo de diferentes configurações entre eles. Uma vez que se chega a isso, o projeto se torna um exercício de “embrulho” e sobre como você projeta uma superfície ou um envoltório que contém as caixas programáticas. Como isto se difere do pragmatismo (holandês) em que a arquitetura é essencialmente a mediação do programa? Por trás dessas belas superfícies vamos encontrar as mesmas velhas caixas?

EC:  Esta é uma boa questão! Como mencionei anteriormente, Rotterdam sempre foi um lugar de interesse para mim. Mas acho que um dos principais aspectos do trabalho de Frank e meu interesse pessoal é que a arquitetura sem programa não é interessante. Então de várias formas, como a expressão formal ou escultural do trabalho de Frank é forte, as pessoas tendem a esquecer de que a expressão é em última instância do programa e dos espaços internos. E penso que talvez esta seja uma das principais diferenças entre arte e arquitetura, que você perguntava mais cedo, e isto é: arquitetura deve abordar ou expressar certos aspectos sobre o programa. E o programa neste caso não é apenas onde estão os banheiros, mas seu propósito. Considerando que na arte seja um tipo diferente de programa, para mim esta é a maior distinção entre as duas. Não é escala ou forma, mas propósito. Por isso, muito tempo do processo projetual no escritório de Frank é dedicado à exploração do programa, mesmo antes de discutir atributos formais. E a configuração dos espaços ou dos volumes é absolutamente uma parte integral da arquitetura. Mas os blocos também são uma forma de engajar o cliente no processo para que seja possível dialogar com ele.

IA: Então uma vez que se chega ao momento em que a configuração dos blocos funciona, você começa a envolvê-los com superfícies. Os blocos são essencialmente blocos de madeira rígidos e retilíneos enquanto as superfícies de papel envolvendo-os são formativas e fluidas. Assim, o que acontece com o espaço entre a superfície e o bloco? São espaços poché? Eles se tornam programáticos?

EC: A organização das caixas é essencialmente um processo de pensamento racional, por falta de uma palavra melhor. De alguma forma o desenvolvimento dos blocos leva o projeto ao ponto em que é possível fugir da razão para a intuição. É quando as caixas são substituídas por volumes tridimensionais.

IA: Você está sugerindo que as superfícies interiores também sigam a expressão externa do edifício?

EC: Bem, este seria o objetivo.

IA: Falamos sobre o processo único, e a inclusão de tecnologia em que o trabalho de Frank foi pioneiro. Mas isto também mudou a forma como a arquitetura é feita: de uma prática que tradicionalmente começou com desenhos e diagramas e então passou para modelos físicos, aqui começamos com a construção do modelo físico, e então o objeto é digitalizado e traduzido para um modelo tridimensional, do qual são produzidos desenhos.  Trata-se de uma inversão do processo tradicional de produção arquitetônica, e por isso a expressão da forma tridimensional e da composição espacial do modelo substitui a relação precisa e geométrica de desenhos bidimensionais. Você não mais projeta a planta ou o corte, mas o objeto tridimensional (modelo) como um todo. Você também falou sobre seu próprio interesse pelo desenho quando estudante, então na sua visão, qual a implicação dessa mudança da produção arquitetônica e representação hoje? E com o avanço e integração da tecnologia, qual o papel do desenho nessa nova prática?

EC: Eu penso que desenhar aqui em alguns aspectos é sobre croquis em 3D. Quando você fala sobre os modelos, da forma como vejo e pela minha experiência, é que aprendi a desenhar em 3D ao invés de 2D. E muito do que você cita como modelos de papel foi uma forma de me libertar no modelo de esboço, mais do que a diferença entre os blocos de madeira e as superfícies curvas. É um atalho, e não literalmente por si só, mas é um gesto. Em um mundo ideal, se a tecnologia se desenvolvesse o suficiente você seria capaz de desenhar em um holograma ou algum dispositivo do tipo. Mas já que não temos este luxo, você teria que viver apenas brincando com os modelos de papel.

IA: Mas desenho não foi apenas uma ferramenta de representação, mas uma ferramenta analítica para explorar e comunicar ideias. Você acha que o aspecto analítico do desenho em arquitetura está começando a diminuir na era digital? E como podemos re-conceituar o papel do desenho na prática atual de arquitetura?

EC: Eu concordo com isto e hoje quando olho para representações digitais penso que se encaixariam em uma categoria de desenho como representação, e acho que ao longo da história da arquitetura sempre se resistiu a isso, pois representação está sempre abaixo dos desenhos analíticos que são sobre exploração. Neste sentido, eu estaria interessado na tecnologia computacional no sentido de exploração da geometria ao invés de sua representação. Se você usa o computador corretamente, pode alcançar o mesmo tipo de análise ou conhecimento analítico como, digamos, os desenhos axonométricos de Peter Eisenman fizeram na época, usando o computador como ferramenta de análise.

IA: Você falou sobre o modelo de papel ser um atalho para um desenho em 3D. Mas as qualidades e características do papel, como material, continuam presentes na arquitetura. No fim, o aço inoxidável ou painéis de titânio dos edifícios de Frank mimetizam o comportamento de um modelo de papel ampliado, bem literal e precisamente. E de fato, todo o avanço tecnológico da prática foi focado em traduzir o modelo de papel com maior precisão em algo que pode ser construído. 

EC: Exatamente. 

IA: Então onde está a “verdadeira arquitetura” aqui: no edifício ou no modelo de papel? Parece, para mim, que a “verdadeira arquitetura” encontra-se no modelo de papel. O edifício é meramente uma representação em uma grande escala, um modelo de titânio construído, de uma ideia “verdadeira” que está no objeto de papel.

EC: Eu acho que Frank discordaria disso. Para ele a arquitetura verdadeira está no edifício e ele vê a si mesmo e sua prática como mestre-construtor. E é muito sobre estar nos espaços. Quando você visita os edifícios, é sobre o prazer de estar nele e o tipo de sensação e a experiência de estar nos espaços. E não há dúvida de que o edifício é o importante aqui. Nesse sentido tudo e cada passo que você dá é um caminho para chegar ao resultado final, que é o edifício. Acho que ele acredita nisso. Assim, a maquete, tanto quanto “arquitetônica”, não é “arquitetura” como produto final. É definitivamente uma representação, como o desenho do edifício, e irrelevante para o processo.

Walt Disney Music Hall. Imagem Cortesia de an-onymous.com.

IA: Falamos anteriormente sobre os binóculos no projeto Chiat/Day/Mojo. Assim como outras esculturas de Claes Oldenburg, os binóculos eram interessantes como representações em uma grande escala da ideia do par de binóculos real, que é de uma escala muito menor e com diferentes características materiais. Mas ao contrário de outras esculturas de Claes, os binóculos aqui foram forçados a se tornarem “arquitetura” ao perfurarem janelas através deles e impregnando-os com o programa. Neste sentido, poderíamos olhar para outros edifícios de Frank Gehry como modelos de papel construídos fora de escala e revestidos com alumínio ou titânio? Como a arquitetura de Frank Gehry se difere dos trabalhos artísticos de Claes Oldenburg? Como é diferente dos binóculos?

EC: Acho que, com Frank, é muito sobre estar nos espaços. E o modelo e as diferentes escalas, sejam modelos digitais ou outras mídias, são apenas passos que permitem alcançar o resultado de estar nos espaços. E neste sentido eu diria que para Frank a ideia de atividades humanas, e a arquitetura como espécie de pano de fundo ou uma maneira de ativar os espaços é absolutamente fundamental e essencial para o que ele está tentando criar. Em alguns aspectos, há uma ideia de que uma arquitetura escultural icônica se presta a estimular um tipo de interação de atividade urbana e vida. Então, nesse sentido, ainda é bastante guiado pelo urbanismo.

Acho que o processo criativo é como uma jornada, onde há um ponto de partida e, presume-se, um destino, que está talvez no edifício como produto final. Assim, o processo é cumulativo de todas as experiências que o aproximam do final. São partes e fragmentos de um contexto maior e não é tanto pela representação por si só, mas sim meios para um fim. Em alguns casos podemos começar com um modelo físico por ser a coisa mais imediata e tátil que se pode fazer. Mas conforme as ideias evoluem, e quando é apropriado, você pode querer contar com o computador ou fazer desenhos à mão livre, ou construir uma maquete do edifício, mas é tudo parte deste processo criativo que eventualmente levará à realização final que é o edifício.

IA: Vamos falar sobre Disney Music Hall. Na última vez que estive em LA, estava caminhando para Disney Hall e procurando-o no mapa de satélite do meu telefone, mas foi difícil encontrá-lo, pois na visão aérea é possível apenas ver uma caixa retangular perfeita. E quando finalmente percebi que era o Disney Music Hall não acreditei, pois não era a imagem que eu tinha do edifício e algo que eu esperava ver em planta.

EC: É verdade e o Disney Hall é interessante porque conforme você experimenta o edifício há uma demarcação muito clara entre a caixa, o interior do salão, e o exuberante exterior escultural, onde estão todas as funções públicas. E a razão para isto é que a acústica para o salão é melhor em um retângulo. Há, entretanto, dentro do salão, elementos esculturais que ajudariam a melhorar a experiência acústica. Então neste aspecto o interior foi muito bem sucedido. O edifício foi muito inspirado pelo salão de concertos de Scharoun em Berlim, e é uma arquitetura sobre como as pessoas se movimentam e sobre criar espaços de experiência em oposição a diagramas intelectuais. Mas também o Disney Hall se encontra sobre alguns pavimentos de estacionamento e a ideia é que o edifício traga as pessoas a partir do interior dele. Assim, há uma ligação com a cultura automobilística, e há um aspecto de infraestrutura nele. E a circulação até o nível do solo é projetada como uma importante sequência de percursos até o edifício. Conforme você sobe a partir do lobby, ocupa o espaço entre o exuberante exterior e o interior da caixa da sala de concertos.

IA: Então é esta clara demarcação a maneira como aqueles modelos – os blocos de madeira e as superfícies de papel adicionadas ao redor deles – evoluem ou se traduzem em arquitetura, ou é apenas único deste projeto?

EC: Apesar de ser uma estratégia de projeto interessante, é único deste projeto porque a melhor configuração para a sala de concertos é uma caixa. Assim, eu chamaria estes espaços de intersticiais e não poché. Nestes espaços você está sempre navegando entre o rigor da caixa e a expressão escultural das superfícies externas. E então o jardim externo também é interessante porque conecta a experiência do edifício à cidade. Há momentos no projeto em que a caixa aparece. A pele se rompe envolvendo o volume. Há sempre este tipo de diálogo entre a superfície e a caixa. Mas em alguns projetos a caixa desaparece completamente. Depende das circunstâncias. Neste caso foi absolutamente essencial que o rigor e disciplina se tornassem o centro do projeto e que todos os espaços evoluíssem em torno dele. É possível ainda dizer que quando se projeta um edifício muito escultural seja útil ter algum tipo de âncora racional. Assim, até em Bilbao há uma âncora muito racional – galerias tradicionais. São as galerias clássicas feitas para o acervo clássico. O centro clássico se torna a âncora que faz tudo funcionar. Como uma estratégia de composição, há algo a ser dito.

IA: Revendo hoje a obra de Frank Gehry, quais projetos você acha que se destacam mais?

EC: Acho que muitos podem pensar em Bilbao ou Disney, mas acho que se fizesse esta pergunta a Gehry, ele provavelmente teria uma lista muito diferente. Penso que um dos projetos mais importantes para Frank foi a companhia Rouse. Foi um projeto em que ele trabalhou antes de se tornar o “Frank Gehry” que é hoje. Sempre falou dele como uma obra muito importante no sentido de que muitas das ideias desenvolvidas posteriormente vieram dele, como ideias sobre espaços abertos, desing de mobiliário, etc. Para Frank foi um projeto único, em que de certo modo ele foi capaz de unir interior, exterior e planejamento em uma solução coerente. Outro projeto de Frank do qual eu realmente gosto é uma pequena casa feita os anos 80, chamada casa de hóspedes Winton, uma adição a uma casa de Philip Johnson. Eu sempre gostei do projeto por haver uma expressão muito clara de volumes e escultura, de forma que a casa de hóspedes seja uma bela escultura na paisagem. Na época Frank estava muito interessado na ideia de still life e o projeto trabalha com séries de volumes que funcionam muito bem com a casa original de Phillip Johnson.

IA: Quando você pensa em grandes arquitetos na nossa história, cada um deles teve um grande projeto ou uma tese, digamos, que definiu o corpo de seu trabalho. Cada projeto foi uma investigação ou exploração em direção a um projeto maior ou busca que definiu suas carreiras. Em sua opinião, qual é o projeto de Frank Gehry?

EC: Frank criou edifícios bastante surpreendentes em sua vida. Mas do meu ponto de vista, e acho que Frank provavelmente concordaria, seu grande legado é a maneira como ele projetou seu escritório. E quando eu digo projetou, não quero dizer como edifício físico ou estilo, mas como ele concebeu e organizou seu escritório de uma forma que lhe permitiu fazer o tipo de arquitetura que quisesse fazer. Frank sempre achou que nos primeiros anos de seu trabalho, sua habilidade de explorar arquitetura e questões criativas eram sempre limitados pela forma como a indústria da construção é configurada. Assim, o foco do escritório é tentar libertar a si mesmo e tomar o controle da situação, e ser capaz de se fortalecer para explorar todas essas questões. Isso tem a ver com o processo de projeto, a maneira como o escritório é organizado, e muito tem a ver com o uso de tecnologia, como tecnologia aeroespacial e CATIA, que o libertou do tipo de amarras que a indústria da construção impõe, para explorar o tipo de estética e conceitos formais que o interessam. Portanto, o projeto de seu escritório é uma parte importante de seu legado, que é diferente de um escritório tradicional.

Iman Ansari é um arquiteto, urbanista, e diretor do AN.ONYMOUS. É professor de teoria da arquitetura em City College da City University of New York. Sua obra e textos foram amplamente expostos e publicados nos Estados Unidos, Europa e Oriente Médio. É formado em arquitetura e filosofia pela City College da City University of New York e em arquitetura e desenho urbano pela Harvard University. Este ano Iman conversou com Edwin, um arquiteto sócio de Gehry por 25 anos, que saiu para começar seu próprio escritório, EC3.

As opiniões expressas nesta entrevista são próprias dos participantes e não refletem a visão de Frank Gehry ou Gehry & Partners. Todos os direitos são reservados por AN.ONYMOUS.

Sobre este autor
Cita: Ansari, Iman . "Sobre Arte, Urbanismo, e Gehry em LA: uma conversa com Edwin Chan" [On Art, Urbanism, and Gehry in LA: A Conversation with Edwin Chan] 21 Out 2013. ArchDaily Brasil. (Trad. Marcon, Naiane) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-147658/sobre-arte-urbanismo-e-gehry-em-la-uma-conversa-com-edwin-chan> ISSN 0719-8906

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