Carnavalizar as ruas de São Paulo

Quem vê essa foto certamente pensa que se trata do carnaval do Rio de Janeiro, do Recife ou de Salvador… Puro engano. Essa imagem é do carnaval de rua de São Paulo, que vem crescendo a cada ano. Para se ter uma ideia, um cadastro de blocos aberto pela prefeitura recebeu a adesão de 195 agremiações. Neste site é possível ver a programação e a lista dos blocos do carnaval de rua paulistano.

Um dos blocos mais antigos de São Paulo, Os Esfarrapados, fundado em 1947, percorre as ruas do bairro do Bixiga, um dos redutos do samba paulistano e da cultura negra da cidade. No Cambuci, o Bloco da Ressaca arrasta foliões desde 1984. De acordo com os organizadores, o bloco surgiu da vontade de proporcionar uma festa pública e gratuita pra comunidade, já que os ingressos para o desfile das escolas era caro, e também de resgatar a tradição carnavalesca da região. Foi no Cambuci que surgiu a primeira escola de samba de São Paulo, a Lavapés. Também as guerras de confetes eram tradicionais no bairro.

Pensando sobre a relação dos blocos com a cidade, me parece que o visível crescimento do carnaval de rua de São Paulo faz parte de um movimento mais amplo de ocupação e reivindicação dos espaços da cidade. Não é por acaso que um bloco como o Acadêmicos do Baixo Augusta surgiu cinco anos atrás… Aquela região da cidade concentra hoje movimentos e ações culturais que buscam se apropriar dos espaços, num movimento em direção de sua publicização com qualidade. Estou falando da Rua Augusta, mas também da Praça do Ciclista, da Praça Roosevelt, do Minhocão, do chamado Baixo Centro e mesmo de toda a região central.

A última novidade que fiquei sabendo foi a utilização do túnel que passa embaixo da Praça Roosevelt para apresentações musicais e discotecagem. Fechado no período noturno e bem iluminado, o espaço – agora denominado “Buraco da Minhoca” – foi descoberto por coletivos e artistas que ali realizaram uma primeira festa no mês de janeiro.

O mesmo tem ocorrido em bairros da região Oeste como a Vila Madalena e a Vila Pompeia, onde há alguns anos praças públicas vêm sendo utilizadas como espaço para festas infantis, piqueniques e até mesmo hortas comunitárias. No bairro da Lapa, no fim de semana das comemorações do aniversário de São Paulo, o cantor Marcelo Jeneci reuniu sua banda e fez um show surpresa numa praça. Não à toa essa região da cidade tem visto nos últimos anos surgirem inúmeros blocos de rua.

É importante lembrar que o carnaval de rua já foi forte na cidade, antes da institucionalização e confinamento das escolas de samba no sambódromo. Antes mesmo de surgirem as escolas de samba, já existiam os chamados cordões carnavalescos em diversos bairros, como Barra Funda, Liberdade, Bixiga, Limão e Tucuruvi, territórios negros da cidade. Enquanto as classes média e alta desfilavam com suas fantasias em carros (os chamados corsos carnavalescos), muitos cordões saíam inclusive pelo centro, arrastando o povão pelas ruas.

O renascimento do carnaval de rua que estamos vendo hoje parece expressar um novo desejo das pessoas em sua relação com a cidade. Elas parecem com isso afirmar que a São Paulo do trabalho, que não para, pode ser também uma cidade lúdica, que as ruas não são apenas lugar de passagem entre casa, trabalho e comércio, mas também espaço de lazer, de fruição, de permanência. Se novas culturas se constroem a partir de novas práticas, talvez São Paulo aos poucos esteja se transformando numa cidade que, às vezes, para… pra fazer festa no túnel, pro piquenique na praça, pra brincar no Minhocão, pra ver a banda passar…

*Texto originalmente publicado no Yahoo!Blogs.

Sobre este autor
Cita: Raquel Rolnik. "Carnavalizar as ruas de São Paulo" 01 Mar 2014. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-180358/carnavalizar-as-ruas-de-sao-paulo> ISSN 0719-8906

¡Você seguiu sua primeira conta!

Você sabia?

Agora você receberá atualizações das contas que você segue! Siga seus autores, escritórios, usuários favoritos e personalize seu stream.