Chalé das três esquinas / Tiago do Vale Arquitectos

© João Morgado

Chalé das três esquinas / Tiago do Vale Arquitectos - Mais Imagens+ 40

  • Construção: Constantino & Costa
  • Área Em Projeção: 60m²
  • Área Construída: 165m²
  • Cidade: 
  • País: Portugal
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Descrição enviada pela equipe de projeto. CONTEXTO HISTÓRICO

Durante a segunda metade do século XIX Portugal assistiu ao regresso de grande número de emigrantes do Brasil. Retornando às suas origens, sobretudo pelo Douro e Minho, trouxeram consigo notáveis fortunas realizadas no comércio e indústria nas grandes cidades brasileiras, fruto do boom econômico e do cruzamento de culturas presente no Brasil da época. Com eles vem também uma cultura e cosmopolitismo ainda estranhos a Portugal oitocentista, respirando as primeiras lufadas de liberalismo.

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A combinação da fortuna e gostos trazidos do Brasil pontuou as cidades do norte de Portugal com exemplos de arquitetura de qualidade, singulares no contexto urbano em que se inserem e muitas vezes informadas pelo melhor do que era feito tanto na Europa como no Brasil.

CONTEXTO DO EDIFÍCIO

O "Chalé das Três Esquinas" constitui um exemplo claro da influência brasileira na arquitetura portuguesa do século XIX mas é, também, um caso singular nesse contexto particular.

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Imediatamente após a abertura da Rua Dom Frei Caetano Brandão construiu-se, fazendo esquina com o largo da Sé e com dinheiro brasileiro, um palacete muito bem ornado, com complexas cantarias e estuques e carpintaria em madeiras exóticas. Em deferência aos seus espaços nobres, a cozinha, lavanderia, despensas e aposentos do pessoal, normalmente escondidos em caves e sótãos, remeteram-se a um prédio anexo, de construção corrente e despojada.

O Chalé das Três Esquinas foi construído segundo o modelo idealizado de um chalé alpino, popular no Brasil oitocentista (de proporções altas, janelas verticalizadas, telhados inclinados e beirados decorados).

Devido à muitos fatores, este é, provavelmente, um exemplar único de arquitetura oitocentista de matriz brasileira ainda de pé em Portugal.

Situada no coração das muralhas romanas e medievais de Braga, junto à Sé (uma das mais importantes da Península Ibérica) é uma casa particularmente ensolarada, com duas frentes, uma a oste, voltada para a rua, outra a leste, voltada para um miolo de quadra qualificado, permitindo luz direta ao longo de todo o dia.

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Sua arquitetura se organiza pela caixa de escadas (iluminada por uma claraboia) definindo, em cada piso, dois espaços de mesmo tamanho, um a leste e outro a oeste.

A natureza dos espaços evolui do público para o privado à medida que subimos desde a loja no piso térreo para as áreas sociais da casa (com a sala a oeste e a cozinha a leste) até aos quartos na parte mais alta.

Alzado Poniente

Quanto à sua construção, as esquadrias e paredes periféricas (estruturais) em alvenaria são em granito amarelo da região, sendo a demais estruturas (pisos e cobertura) executadas em um sistema de vigas e barrotes de madeiras variadas. As paredes internas são executadas em tabique e pisos revestidos a soalho.

PROJETO

Confrontada tanto com o estado degradado e adulterado do prédio como com o interesse da sua história e tipologia, a equipe de projeto tomou como missão recuperar a identidade do edifício oitocentista, perdida ao longo de 120 anos de inúmeras pequenas intervenções não qualificadas. A intenção é tornar claros os seus espaços e funções, adequando-os ao modo atual de habitar.

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O programa pedia a convivência entre um espaço de trabalho e um programa de habitação. Dada a reduzida área de implantação, seguiu-se a estratégia original de hierarquizar as áreas por pisos, correspondendo a cada lance de escadas um maior grau de privacidade. A cada lance a escada vai também se estreitando, comunicando a mudança de natureza dos espaços aos quais dá acesso.

O desejo de garantir o máximo de transparência por todo o prédio, permitindo que a luz o cruze de frente a frente e do topo ao rés-do-chão, definiu todas as estratégias de organização e compartimentação do prédio, resultando em uma solução próxima à de um loft vertical.

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Tirando partido de uma diferença de cotas de 1,5 m entre a rua e o interior da quadra, foi possível colocar o espaço de trabalho no piso térreo, beneficiando da relação com a rua e a luz da orientação oeste. Ao mesmo tempo, o programa doméstico relaciona-se com a praça do interior da quadra e a luz de leste, através de uma plataforma que estabelece a transição entre cozinha e exterior. Esta característica permite que ambos os espaços afirmem de imediato características e iluminação muito distintas, embora separados apenas por dois lances de escada.

A geometria da caixa de escadas, antes fechada em 3 dos seus lados, filtra eficazmente a relação visual entre os dois programas deixando, no entanto, que a luz natural dos pisos superiores ilumine o espaço de trabalho.

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O segundo piso foi reservado para as zonas sociais da habitação. Ao se recusar a tendência natural de compartimentação, foi possível que a caixa de escadas definisse os perímetros da sala e cozinha, mantendo uma planta aberta e iluminada ao longo de todo o dia, com luz de leste pela cozinha, zenital pela caixa de escadas e de oeste pela sala.

Subindo os últimos e estreitos lances de escada, chega-se à área dos quartos, espaço onde o protagonismo é entregue à cobertura, cujo sistema construtivo é mantido aparente, embora pintado de branco. Do outro lado da caixa de escadas, que é o elemento organizador de todos os pisos, há um closet e um banheiro. 

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Se o tema visual da casa é a cor branca, sistematicamente repetida nas paredes, tetos, carpintarias e mármore, o closet é a surpresa no culminar do percurso em direção à área privada da habitação: com o piso e o sistema construtivo da cobertura na sua cor natural e com armários e portas em todo o seu perímetro construídos no mesmo material, apresenta-se como uma pequena caixa de madeira, contrapondo a caixa branca do prédio e sendo contraposta pela pequena caixa de mármore da instalação sanitária

MATERIAIS

Enquadrada na estratégia de maximizar a luz e dar clareza aos espaços, a escolha dos materiais e acabamentos utilizados nesta construção é intencionalmente limitada: a cor branca, nas paredes, tetos e esquadrias em geral, pelas suas qualidades espaciais e luminosidade; a madeira na sua cor natural, nos soalhos e no closet, pelo calor e conforto; e o mármore branco de Estremoz, no revestimento do piso térreo, nos balcões e no chão e paredes das instalações sanitárias e lavanderia pela textura, reflexibilidade e cor.

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Foram repostas todas as esquadrias em madeira na fachada principal, a cobertura refeita com telha Marselhesa original sobre uma estrutura de abeto e pinho e o beirado decorativo restaurado para o seu estado original.

O assoalho foi recuperado com pinho americano sobre a estrutura original e todas as superfícies impermeáveis revestidas com mármore português de Estremoz.

As esquadrias do térreo permaneceram em ferro, embora redesenhadas para maximizar a iluminação natural.

Planta de Acesso

CITAÇÕES

"Logo durante nossa primeira visita percebemos que o prédio pedia, desesperadamente, duas coisas: primeiro que o libertassem de toda a construção avulsa que o sufocou e que comprometeu a clareza e a lógica com que originalmente organizava os seus espaços; e em seguida (o que, em muitos aspectos, também é um sintoma do mesmo problema) que se permitisse à luz que permeasse os seus espaços. A escuridão acabou por ser a consequência derradeira da compartimentação sistemática a que o prédio foi sujeito. Era preciso maximizar tanto a luz como a transparência para permitir que o edifício respirasse."

Tiago do Vale

"A tipologia original do prédio, tipicamente oitocentista na sua matriz - e tendo também em conta que o prédio foi, desde logo, concebido para um uso flexível - é, por si só, muito permissiva e aberta, capaz de dar resposta a praticamente qualquer tipo de programa de arquitetura.

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Portanto nunca nos ocorreu outro caminho senão o de ser fiel à sua natureza original, tanto na arquitetura como nas soluções técnicas, como na organização e distribuição do programa. 

Recuperamos não apenas os materiais mas também os usos de cada espaço. E mesmo quando introduzimos materiais novos - como fizemos com o mármore de Estremoz - fizemo-lo com o critério de se ajustar à sua natureza e ao seu contexto histórico."

Tiago do Vale

" Neste caso, o tempo não lhe foi [ao prédio] generoso.

Muitas vezes um arquiteto encontra-se dividido na tentativa de dar resposta aos desafios de uma requalificação, seduzido entre a honestidade conceptual de um restauro cego e estrito e a desonestidade conceptual de se permitir à liberdade de alterar um pouco a narrativa do edifício para permitir que o seu desenho possa ir mais longe num ou noutro aspecto em particular.

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Como em tudo, o melhor compromisso está sempre entre os dois extremos, informado por ambos: um restauro estrito e cego pode produzir um objeto arquitetônico interessante e honesto, mas é necessário ceder em algum ponto se queremos que o edifício seja capaz de dar resposta aos requisitos das formas de viver contemporâneas, que são dramaticamente diferentes das de há 120 anos. Essa resposta é, em última análise, a derradeira missão de um edifício (e aquilo que o mantém vivo). 

Quando a passagem do tempo é generosa com uma construção, qualifica-a e valoriza-a, acrescentando novas qualidades às originais, anotando o seu percurso no tempo. Ilustra como a forma como nos relacionamos com os espaços onde vivemos muda e evolui incessantemente, o que é enormemente enriquecedor e uma experiência maravilhosa de arquitetura.

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Assim, regressando a este caso em particular, tentamos cometer a desonestidade terna de oferecer ao prédio uma história mais feliz, com um percurso mais generoso do que aquele que realmente sofreu. Recuperamos e destacamos as suas interessantíssimas características originais introduzindo, ao mesmo tempo, elementos e ideias capazes de conduzir, passo a passo, esta casa desde a sua fundação até aos dias de hoje, perfeitamente ajustada ao modo de habitar contemporâneo."

Tiago do Vale

"No fundo, a nossa opção foi elementar: restaurar as suas condições originais mas com a subtileza (digo-o assim, embora seja este o ponto mais fundamental do processo) de acrescentar algo para além do restauro cego, capaz de devolver esta casa às sua função, ao uso (vivido com genuína qualidade de vida), à rua, à cidade, e ao tempo de hoje, e fazê-lo dotando-a de flexibilidade suficiente para que se mantenha útil e viva por outros 120 anos.

Portas primeiro pavimento e ático

E, mesmo assim, não é coisa pequena: função, usos, pessoas, ruas, cidades, são coisas que, sem cansaço e sem pedir desculpa, permanentemente vão mudando a forma como se relacionam com a sua envolvente construída".

Tiago do Vale

Galeria do Projeto

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Sobre este escritório
Cita: "Chalé das três esquinas / Tiago do Vale Arquitectos" [El chalé de las tres esquinas / Tiago do Vale Arquitectos] 26 Nov 2013. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-155113/chale-das-tres-esquinas-slash-tiago-do-vale-arquitectos> ISSN 0719-8906

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