Por que Hollywood precisa mudar seu conceito de "Arquiteto"

Escritores, diretores, produtores e atores da indústria cinematográfica de Hollywood desempenham papéis importantes no modo com milhões de pessoas em todo o mundo vêem os arquitetos e a profissão de arquitetura. Programas de TV, da mesma forma, criam estereótipos de profissões que são reforçados  a cada episódio. Ambos causam impactos duradouros que podem encorajar ou dissuadir jovens a buscar a arquitetura como profissão.

No capítulo “Tall Buildings, Tall Tales: On Architects in the Movies” na antologia de Mark Lamster Architecture and Film (NY: Princeton Architectural Press, 2000), Nancy Levinson examina como Hollywood atribuiu certas características estereotipadas a arquitetos. O gráfico seguinte parte de seu trabalho e o atualiza, mostrando como arquitetos são retratados nos filmes dos séculos XX e XXI.

Cortesia de Kathryn Anthony, Robert Deering & Curt Pratt

Assim, de acordo com Hollywood, um arquiteto é um herói, apaixonado, irremediavelmente fora de alcance, com problemas financeiros, viciado em trabalho ou alguma combinação disso tudo.

Mas como Hollywood diz ser a aparência de um arquiteto? Nossa lista atualizada de atores e atrizes que interpretaram arquitetos no cinema nos permitiu examinar não só a maneira como o arquiteto é retratado, mas também suas características físicas - como gênero, raça, cor dos cabelos, dos olhos, e barba. Na verdade, diretores de Hollywood criaram uma imagem distinta de como um arquiteto deve ser. Em mais de três quartos (79%) dos 45 filmes que revisamos, o arquiteto é representado sem barba. Mais da metade (56%) dos arquitetos de Hollywood tem olhos castanhos (25% azuis, 19% verdes); mais da metade (58%) tem cabelos escuros. Então, de forma geral, Hollywood criou a imagem estereotipada de um arquiteto: um homem branco, barbeado, com cabelos escuros e olhos castanhos.

Cena de How I Met Your Mother. Imagem Cortesia de 20th Century Fox Television

Esta imagem é promovida também na televisão. O arquiteto fictício de maior destaque representado atualmente na mídia, Ted Mosby (interpretado por Josh Radnor) da popular série How I Met Your Mother, (CBS, 2005-) é a réplica exata da imagem hollywoodiana de um arquiteto. Assim também era seu antecessor de cabelos castanhos, o arquiteto Mike Brady (interpretado por Robert Reed) da série The Brady Bunch (ABC, 1969-1974), que se tornou um sucesso instantâneo nas noites de sexta-feira. O programa conseguiu ainda mais popularidade quando episódios foram repetidos depois do horário escolar, influenciando uma geração de fãs a perseguir a arquitetura como carreira. No programa, Brady, um viúvo com três filhos que se casa com Carol (interpretada por Florence Henderson), com três filhas, é retratado como a figura paterna máxima de sua nova família. Eles vivem em uma grande casa moderna em um subúrbio de Los Angeles projetada por Mike.

De que outra forma Hollywood estreitou nossa percepção da "imagem do arquiteto"? De acordo com o American Institute of Architects, em 2011 mulheres representaram 15% dos arquitetos licenciados, e 30% dos membros associados (ainda não licenciados); ainda de acordo com nossa pesquisa, em 91% dos 45 filmes que revisamos, o arquiteto é do sexo masculino. Até 2013, arquitetas foram vistas em apenas quatro filmes hollywoodianos: Father of the Bride (1991), One Fine Day (1996), Firewall (2006), e Inception (2010).

Antes de Inception, o filme de maior sucesso com uma arquiteta foi One Fine Day. No filme, Melanie Parker (interpretada por Michelle Pfeiffer) é uma arquiteta e mãe solteira tentando conciliar maternidade, carreira e vida social. Em uma reunião decisiva com um cliente importante, Parker apresenta seu modelo e simplesmente diz, "Voila". Quando o cliente pede para ver carros no modelo antes de concordar com o projeto, Parker tira da bolsa carros de brinquedo do seu filho. Não importa que estivessem completamente fora de escala, o cliente fora convencido. Nesta cena e em outras, o retrato da arquiteta em One Fine Dayé superficial e simplista.

Cena de Inception. Imagem Cortesia de Warner Bros.

Em contraponto, Inception retrata uma personagem feminina principal mais substancial, a arquiteta Ariadne (interpretada por Ellen Page), que Miles (interpretado por Michael Caine) diz ser a melhor aluna que ele já teve. O papel de Ariadne no crime metafísico final é primordial para o sucesso da missão. Antes da  personagem ser apresentada nos é mostrado um vislumbre de como o projeto de um arquiteto menos talentoso pode atrapalhar o sensível equilíbrio da autenticidade do ambiente de um sonho. Nash (representado por Lukas Haas) cria um ambiente onde o tipo e a textura do carpete são diferentes da realidade de quem sonha. Este detalhe, um erro que Ariadne é talentosa demais para cometer, arruína toda a missão e enfatiza a habilidade e superioridade de Ariadne. Diferente de One Fine Day, um filme que minimiza as habilidades de uma arquiteta,Inceptionas maximiza, mostrando uma mulher extremamente poderosa criando ambientes complexos.

Apesar deste retrato positivo, a falta de diversidade de gênero entre os arquitetos em filmes de Hollywood é perturbadora. Igualmente surpreendente é a falta de diversidade racial. Comparado a mulheres, a presença de pessoas não caucasianas representadas como arquitetos no cinema hollywoodiano é ainda mais rara. Estatísticas de 2011 dos membros do AIA mostram que afro-americanos representam apenas 1% dos arquitetos licenciados e 3% dos associados. Hollywood chega perto de replicar estas terríveis estatísticas. Em quase todos (96%) dos filmes, o arquiteto é branco. Apenas dois, Jungle Fever (1991) com Flipper Purify (representado pelo ator Wesley Snipes) e The Namesake (2006) com Gogol/Nikhil (representado pelo indiano Kal Penn) são exceções a esta regra.

Jungle Fever oferece uma mostra das dificuldades de um arquiteto afro-americano através da história de Flipper Purify, um arquiteto de sucesso em Nova York. O escritor e diretor Spike Lee mostra a falta de diversidade na profissão de arquitetura quando Snipes, se dizendo cansado de ser o único afro-americano no escritório, pede aos parceiros da empresa que sua nova secretária seja também afro-americana. Posteriormente no filme, Fipper pede para ser sócio da empresa, e prontamente se demite quando seu pedido é negado. Spike Lee coloca Purify em um papel excepcionalmente sedutor: ele tem relações sexuais consensuais com sua secretária em cima da prancheta do escritório.

Cena de Jungle Fever. Imagem Cortesia de Universal Pictures

Em seu filme, The Namesake (2006), a diretora indiana Mira Nair conta a vida de pais indianos que se mudam para a América e lutam para criar seu filho, dividido entre as duas culturas. O filho, Gogol (Kal Penn) tem uma experiência reveladora visitando o Taj Mahal durante seu verão na Índia. Aqui ele informa a seus pais "Acho que vou me formar em arquitetura", a que seu pai responde "Mas e engenharia?". Então Gogol responde "Que isso, papai, arquitetura tem tudo. Tem engenharia, desenho, estética". A resposta do pai reflete o fato de que em muitas famílias, arquitetos não são tão bem vistos quanto médicos e engenheiros, que recebem salários muito melhores. Mas Gogol finalmente convence seu pai a apoiar sua busca por uma carreira na arquitetura.

A falta de diversidade racial e de gênero não é o único questionamento que arquitetos podem ter em relação à forma como são retratados na mídia de ficção de Hollywood. Como visto emOne Fine Daye em outros, muitas representações são tanto imprecisas quanto absurdas. Isto pode ser visto não só em filmes hollywoodianos, mas também em programas de TV como The Brady Bunch (1969-1974) e How I Met Your Mother (2005-atual). Por exemplo, no episódio 16 de The Brady Bunch, intitulado “Mike’s Horror-Scope,” Mike Brady projeta uma fábrica em forma de pompom e completamente cor-de-rosa. No episódio 8 da quarta temporada deHow I Met Your Mother - intitulado “Wooo!” - uma empresa rival apresenta seu projeto para um arranha-céu em forma de dinossauro que realmente cospe fogo. No episódio 24 da quarta temporada, intitulado "The Leap", o personagem principal Ted Mosby projeta um restaurante em forma de chapéu de cowboy. Estes exemplos de projetos absurdos constroem uma imagem cômica da profissão e menosprezam e rebaixam a forma como arquitetos trabalham.

Personagens de ficção podem ter papéis importantes tanto na reflexão de realidades atuais quanto na formação de futuras. Da mesma forma que programas de TV como Glee (2009-) e Modern Family (2009-) permitem que espectadores convencionais se identifiquem com personagens principais gays, e correspondem, talvez não por mera coincidência, a uma mudança radical na opinião pública pelos EUA para maior aceitação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, uma maior diversidade de arquitetos em Hollywood é necessária para inspirar a próxima geração. Architecture 101 (2012), por exemplo, um filme sul-coreano dirigido por Lee Yong-joo, que é formado em arquitetura, oferece um retrato sensível de um arquiteto no meio da carreira refletindo sobre sua vida como estudante. O filme foi um sucesso de bilheteria, mantendo o primeiro lugar durante as três primeiras semanas, e superando 4.1 milhões de ingressos vendidos: um recorde. De acordo com um membro da Universidade Nacional de Seul, desde o lançamento de Architecture 101 o número de inscrições para o curso de arquitetura aumentou significativamente.

Os diretores de Hollywood poderiam da mesma forma ajudar a restaurar a imagem da profissão retratando arquitetos mais realistas e criando filmes em que grupos menos representados em termos de gênero, raça e etnia como mulheres, afro-americanos, latinos e asiáticos representassem papéis principais como arquitetos talentosos levados a sério. Talvez a repórter e comentarista de televisão Eleanor Clift tenha melhor colocado em um segmento (3 de março, 2013) do noticiário, The McLaughlin Group: "Filmes são uma das formas mais eficazes de divulgar opiniões, é como mudamos corações e mentes ao redor do mundo..."

Cena de 500 Days of Summer. Imagem Cortesia de Fox Searchlight Pictures

Sobre os Autores 

Kathryn H. Anthony, Ph.D. é Professora na Escola de Arquitetura da Universidade de Illinois e autora de dois livros sobre arquitetura: Design Juries on Trial: The Renaissance of the Design Studio; and Designing for Diversity: Gender, Race and Ethnicity in the Architectural Profession. Robert Deering trabalha atualmente em um escritório de arquitetura em Cleveland, Ohio. Graduou-se pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Estado de Ohio e obteve o título de Mestre em Arquitetura pela Universidade de Illinois. Curt Pratt se graduou na Escola de Arquitetura da Universidade de Illinois e atualmente trabalha em um escritório de arquitetura em Davenport, Iowa. 

Sobre este autor
Cita: Kathryn Anthony, Robert Deering & Curt Pratt. "Por que Hollywood precisa mudar seu conceito de "Arquiteto"" [Why Hollywood Needs to Change its Conception of "The Architect"] 22 Nov 2013. ArchDaily Brasil. (Trad. Baratto, Romullo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-154158/por-que-hollywood-precisa-mudar-seu-conceito-de-arquiteto> ISSN 0719-8906

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