Teoria Unificada de Arquitetura: Capítulo 2A

Iremos publicar o livro de Nikos Salíngaros, Unified Architectural Theory, em uma série de trechos, tornando-o disponível digitalmente e gratuitamente a todos os estudantes e arquitetos. O capítulo a seguir, parte do Capítulo dois, descreve a abordagem científica para a teoria da arquitetura. Se você perdeu, certifique-se de ler a Introdução e o Primeiro Capítulo 1 antes.

A fim de discutir quaisquer supostas contribuições para a teoria da arquitetura, é necessário definir o que é a teoria da arquitetura. A teoria em qualquer disciplina é um quadro geral que:

(1) explica fenômenos observados; 

(2) prevê efeitos que aparecem em circunstâncias específicas; e

(3) permite que se criem novas situações que executam de maneira prevista pela teoria.

Na arquitetura, uma estrutura teórica deveria explicar por que edifícios afetam os seres humanos em certos aspectos, e por que algumas construções são mais bem sucedidas do que outras, tanto na prática como em termos psicológicos e estéticos.

Um requisito importante de uma teoria de arquitetura é coordenar e fazer sentido de observações dispersas e aparentemente sem relação de como os seres humanos interagem com a forma construída. Outra é formalizar essas observações em um quadro simples de se aplicar o que pode ser utilizado para no projeto.

Infelizmente, somente agora a arquitetura embarca numa formulação, muito atrasada, de sua base teórica. Não é um exagero dizer que, até agora, o campo tem sido impulsionado por caprichos pessoais e da moda, no lugar de ser baseado em qualquer fundamentação teórica. Como resultado de um erro sério (devido a ignorância científica de três gerações de arquitetos), um corpo volumoso de escritos tem sido confundido com "teoria da arquitetura", mesmo não sendo nada do tipo. Este material é ensinado a estudantes de arquitetura, e é estudado por arquitetos praticantes. No entanto, ele serve apenas para promover certas modas estilísticas e dogmas, no lugar de uma compreensão da forma arquitetônica. Existem agora teorias arquitetônicas genuínas suficientes para formar um núcleo a partir do qual pode ser construído o tema. Este núcleo é constituído pelos escritos de Christopher Alexander (Alexander, 2001;. Alexander et al., 1977), Léon Krier (1998), o presente autor (Salíngaros, 2006), e alguns outros.

A teoria arquitetônica genuína desenvolveu-se em duas vertentes paralelas. A primeira é a abordagem baseada em soluções que funcionam historicamente. Não surpreendentemente, esta vertente volta-se à arquitetura tradicional, usando suas tipologias de forma inovadora. Arquitetos ignorantes desta vertente da teoria arquitetônica desconhecem que, pensando falsamente que apenas se copiam os modelos mais antigos, quando na realidade, está utilizando um vocabulário bem desenvolvido para gerar novas soluções. A segunda vertente da teoria arquitetônica genuína é baseada na ciência.

Aqui, modelos de biologia, física e ciências da computação são utilizados para explicar como as formas arquitetônicas emergem e, por que os seres humanos reagem de certas maneiras previsíveis para diferentes estruturas. A abordagem científica é em muitos aspectos complementar à abordagem tradicional de projeto. A principal diferença é que, na prática, uma vez que a abordagem científica não está vinculada a qualquer tipologia específica, isto leva a um vocabulário de projeto muito mais amplo do que a abordagem tradicional.

Arquitetos têm dificuldades em apreciar a vertente científica da teoria arquitetônica genuína por causa de certas distorções no corpo dos textos arquitetônicos existentes. Autores reivindicam explicar a forma arquitetônica usando teorias científicas e seus vocabulários são invariavelmente confusos, confundindo, dessa forma, o leitor. Grande parte dessa literatura arquitetônica é claramente incorreta, entretanto os arquitetos têm conhecimento científico insuficiente para perceber isso. Respeitados comentaristas de arquitetura escrevem declarações enganosas que são tomadas como explicações significativas por arquitetos e estudantes, que, em seguida, tornam-se tão confusas que não podem apreciar as explicações científicas genuínas. Eles confundem explicações espúrias para as coisas reais.

Isso acontece, infelizmente,  porque ainda não há nenhuma base para julgar entre uma verdadeira e uma falsa teoria na arquitetura. Outros campos foram capazes de desenvolver suas bases teóricas somente depois que instituíram tal critério, colocando em prática um mecanismo para distinguir o que faz sentido do absurdo. Arquitetos acreditam erroneamente que como um conjunto de critérios só podem existir em um assunto experimental como a física, sem perceber que a arquitetura é, em si, um campo experimental. O problema é que o lado experimental da observação da arquitetura foi deliberadamente negligenciada por várias décadas, até o ponto onde seus praticantes têm esquecido esta qualidade fundamental de sua disciplina.

As pessoas de fora (o que inclui a maioria das pessoas), ingenuamente assumem que a arquitetura contemporânea possui uma base teórica, como, por exemplo, a química e a neurociência, o que explica por que os edifícios devem possuir a forma pela qual estão feitos. No entanto, uma massa de escritos classificados erroneamente como teoria arquitetônica só contribui para gerar e sustentar certas imagens, essas imagens são copiadas e usadas ​​como modelos para os edifícios em um estilo alienígena. Isso não é um fundamento teórico. Esses escritos não satisfazem qualquer um dos critérios aceitos para uma teoria em qualquer campo.

Cada disciplina possui um armazenamento de conhecimentos acumulados ao longo do tempo, o que explica a enorme variedade de fenômenos. (Arquitetura tem coletado informações por milênios). Parte desse conhecimento é codificado em um quadro teórico compacto, outras partes são estritamente fenomenológicas, mas testadas pela observação e experimentação. Fatos e ideias se combinam de forma particular, comuns a todas as disciplinas adequadas.

A característica crucial de um quadro teórico válido é uma complexidade interna transparente juntamente com a conectividade externa. Isto decorre da maneira como as redes explicativas desenvolvem-se no tempo:

1. Conhecimento mais recente sobre um tema baseia-se no conhecimento existente.

2. O conhecimento mais antigo é substituído apenas por uma melhor explicação sobre o mesmo fenômeno, mas nunca porque uma moda mudou - esse processo cria múltiplas camadas, conectadas de conhecimento.

3. A teoria de uma disciplina deve transitar sensivelmente por outras disciplinas.

Isto significa que deve haver alguma interface onde uma disciplina funde-se com outra, por toda sua volta. Qualquer teoria que se isola por ser incompreensível pelos outros é automaticamente suspeita. A conectividade interna fortemente unida, junto com a conectividade externa mais flexível, fornece as bases para um mecanismo de auto-correção e manutenção. Isso vale para qualquer sistema complexo.

A arquitetura como profissão tem se desligado várias vezes tanto da sua base de conhecimento, como de outras disciplinas, em um esforço para permanecer eternamente "contemporânea" (as recentes conexões publicadas na filosofia, linguística e ciência não obstante, uma vez que agora são expostas como decepções). Isto é, claro, a característica definidora de uma moda; o oposto de uma disciplina adequada. Frequentemente a arquitetura tem ignorado o conhecimento derivado sobre edifícios e cidades, adotando slogans e influências absurdas.

Aqueles que lucram com a instabilidade e superficialidade da indústria da moda estão com muito medo de enfrentar o conhecimento genuíno sobre o mundo. Ele iria colocá-los fora do negócio. Arquitetos e críticos periodicamente alteram a moda reinante, de forma a manter o mercado estimulado. Eles têm que dedicar uma quantidade enorme de recursos para promover que qualquer estilo efêmero esteja em voga. Para vender sua moda são obrigados a reprimir qualquer aplicação de conhecimentos arquitetônicos acumulados. Isso evita que uma base teórica se desenvolva. A moda em constante mudança é parasita em processos atemporais.

Críticos descartam edifícios neo-tradicionais como cópias simplistas de protótipos clássicos, apesar de aqueles não precisarem se assemelhar com nada construído em dois milênios anteriores. Os meios de comunicação arquitetônicos declaram que "uma coluna clássica representa a tirania", e que, confessar uma atração à arquitetura clássica, de alguma forma, apoia o totalitarismo. Ao mesmo tempo, o gosto pela arquitetura vernacular não-clássica, de qualquer tipo, é ridicularizada. Neste caso, estamos marcados como sendo ignorantes e "sentimentais" (que, em valores arquitetônicos contemporâneos, é uma ofensa imperdoável). Novos edifícios com qualidades humanas, que, no entanto, não têm nada a ver com a tipologia clássica, também são proibidos.

As pessoas estão agora enganadas a acreditar que a "arquitetura do futuro" é necessariamente quebrada e torcida, e feita em vidro e metal polido. Qualquer dúvida é dissipada atribuindo a estes arquitetos os mais prestigiados prêmios. Algumas das pessoas que participam na disseminação deste estilo atuam com uma convicção quase religiosa. Eles acreditam fervorosamente que estão fazendo um favor à civilização, promovendo o futuro e nos protegendo do atraso e retrocesso. Escolas de arquitetura estão mergulhadas na honradez. Desde a Bauhaus da década de 1920, o objetivo de muitas escolas tem sido a de reestruturar a sociedade para o bem de todas as pessoas, embora sejam bem-vindas ou não. Se as pessoas comuns são nostálgicas sobre os métodos passados ​​de projeto e anseiam edifícios que apelam para a escala humana, isto é apenas uma indicação da fraqueza humana.

Estamos no limiar de um histórico acerto de contas arquitetônico. A nova arquitetura mistura formas curvas exuberantes e escalas fractais com as formas quebradas da desconstrução. Deixe-me sugerir que os arquitetos que desejam ser contemporâneos deveriam deixar cair suas bagagens desconstrutivas. Eles deveriam, no lugar, estender a mão para aqueles a quem eles anteriormente desprezavam e caluniavam - quero dizer os tradicionalistas, e os arquitetos inovadores que respeitam a escala humana e a sensibilidade. Ao misturar formas inovadoras com tipologias que foram submetidas a uma seleção competitiva durante o tempo histórico, podemos definir uma nova arquitetura que está apta para os seres humanos, em vez de permanecer para sempre como alienígenas. Profissionais mais jovens têm sido enganados em identificar novidades com o "olhar estrangeiro" essencial da desconstrução. No entanto, uma nova geração de arquitetos é inteligente o suficiente para perceber o que está acontecendo, e para sair de um engano lamentável.

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Referências

  • Christopher Alexander (2001) The Phenomenon of Life: The Nature of Order, Book 1, The Center for Environmental Structure, Berkeley, California. 
  • Christopher Alexander, S. Ishikawa, M. Silverstein, M. Jacobson, I. Fiksdahl-King & S. Angel (1977) A Pattern Language, Oxford University Press, Nova York. 
  • Andrew Bulhak (1996) “Postmodernism Generator”, disponível online em <http://www.elsewhere.org/cgi-bin/postmodern>.
  • John Huth (1998) “Latour’s Relativity”, in: A House Built on Sand, Editado por Noretta Koertge, Oxford University Press, Nova York, páginas 181-192.
  • Léon Krier (1998) Architecture: Choice or Fate, Andreas Papadakis, Windsor, England. Retitled The Architecture of Community, with new material, Island Press, Washington, DC, 2009.
  • David Lehman (1991) Signs of the Times: Deconstruction and the Fall of Paul de Man, Poseidon Press, Nova York. 
  • Christopher Norris (1989) “Interview of Jacques Derrida”, AD — Architectural Design, 59 No. 1/2, páginas 6-11. 
  • Nikos A. Salingaros (2006) A Theory of Architecture, Umbau-Verlag, Solingen, Alemanha. 
  • Roger Scruton (2000) “The Devil’s Work”, Capítulo 12 de: An Intelligent Person’s Guide to Modern Culture, St. Augustine’s Press, South Bend, Indiana. 
  • Alan Sokal (1996), “Transgressing the Boundaries: Toward a Transformative Hermeneutics of Quantum Gravity”, Social Text, 46/47, páginas 217-252. 
  • Alan Sokal & Jean Bricmont (1998) Fashionable Nonsense, Picador, Nova York. European title: Intellectual Impostures.
  • Edward O. Wilson (1998a) “Integrating Science and the Coming Century of the Environment”, Science, 279, páginas 2048-2049. 
  • Edward O. Wilson (1998b) Consilience: The Unity of Knowledge, Alfred A. Knopf, Nova York. 
  • Imagem da Teoria do Heliocentrismo de Copernicus via Iryna1, Shutterstock.com

    Sobre este autor
    Cita: Nikos Salingaros. "Teoria Unificada de Arquitetura: Capítulo 2A" [Unified Architectural Theory: Chapter 2A] 26 Out 2013. ArchDaily Brasil. (Trad. Souza, Eduardo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-149080/teoria-unificada-de-arquitetura-capitulo-2a> ISSN 0719-8906

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