Urbanidade

Pare de falar mal de sua cidade. Coisas ruins sempre vão existir. Excrementos sempre serão tirados em algum lugar. Falar mal dos excrementos faz com que o seu odor alcance distâncias inimagináveis. Pratique a indiferença urbana. Coisas sobre as quais ninguém fala, não serão lembradas, e logo não existirão. Como, por exemplo, o número 168 da Rua dos Ararius, que existe a partir de agora. Pare de falar. Proponha soluções. A crítica é sempre criativa e propositiva. A palavrearia é apenas opinião sentimental. Fizeram algo ruim? Mostre o que seria melhor. Coração quente, mente fria. Não espere por nada. Está querendo que te pague pela ideia? Já sei que não podemos contar com você. Faça o que você acha que é o melhor. A autocrítica é uma crítica universal. O melhor é sempre o melhor primeiro para você. Se é verdadeiramente o melhor pra você será o melhor para os outros. Seja verdadeiro e tenha confiança. Respeite e cultive a cidade. Ela é nossa mãe. Não deixamos que falem coisa alguma, mentiras ou verdades, sobre nossa mãe. Defendam-na. Jamais riam dos seus defeitos. Rir da cidade é rir de nós mesmos.

Lute por abandonar a hipocrisia. Não existem soluções a longo prazo. Não aqui, não agora. Isso é uma invenção dos que se dizem «políticos». Os políticos de fato são e devem ser nós mesmos. Vereadores, deputados, senadores, etc., são servidores públicos. Servem ao público e ao que é público. Devem servir. Se não servem, devemos fazer com que sirvam ou encontrar outros que sirvam. Mas a melhor solução é sempre esta: não espere que alguém te sirva, sirva-se a você mesmo. Faça. O longo prazo implica o surgimento de novos problemas, e outras soluções para eles. As soluções atuais para as cidades brasileiras são e devem ser drásticas.

Precisamos de estacionamentos? Não. Desejamos estacionamentos. (porque temos carros) Mas o que precisamos de fato é não precisar de carros. E como não precisar de carros? Fazendo com que seja impossível andar de carro. Fechando avenidas, estacionamentos e postos de gasolina. Lembre-se motorista: você não está num engarrafamento, você é o engarrafamento. A preferência de circulação é sempre do pedestre sobre os automóveis. Sempre. O pedestre não cruza a rua, o carro é quem cruza a calçada. Alargue as calçadas. Precisamos caminhar. Não temos espaço? Temos de sobra: a rua é espaço. Diminua as ruas e aumente as calçadas. Aumente os passeios. Aumente os jardins. Amplie as ciclovias. Que cresçam as árvores. Talvez chegue o dia em que teremos só calçadas. O carro pedirá com licença para atravessar nossa calçada (sem buzinar). É cômodo andar de carro? Não. Cômodo é andar a pé, na sombra, com brisa no rosto, ouvindo música e tomando sorvete.

Árvores não são sinônimos nem implicam insegurança. O que implica insegurança são iluminação e visibilidade inadequadas. Já reparou que a iluminação pública é uma iluminação para as ruas e para os carros? A iluminação das calçadas e para os pedestres é urgente. Iluminação e arborização são parceiras. A árvore está comprometendo a fiação aérea? Refaça a fiação. Ela se adequa ao crescimento das árvores. (ou enterre-a de vez) E por favor: jamais derrube as árvores das nossas calçadas, praças, parques, e até aquelas que ficam no meio da rua. Essas são as melhores: um canteiro central natural sem canteiro, onde podemos subir a jogar coisas nos carros que passam. Árvores são sinônimos de sombra. Sombra é sinônimo de bem-estar e qualidade do ambiente. Não há espaço para árvores? Invente alternativas: marquises, toldos, bandeirinhas, roupa estendida... As soluções mais arcaicas são as mais originais. Que cidade linda seria essa.

Nem tudo na cidade tem que ter importância. Na verdade, poucas coisas devem sobressair: somente aquelas que representam e reforçam nossa história e caráter. Uma cidade onde tudo se destaca é um circo de rua. Por exemplo: edifícios residenciais devem ser o pano de fundo da cidade, devem formar um conjunto homogêneo que ressalte a vida urbana. Contente-se arquiteto com este fato: arquitetura residencial está no interior do lar, no ato de habitar. Nada de fachadas esquisitas, calçadas coloridas, gradis extravagantes, portarias monumentais. Os ingredientes são básicos: arborização alta e densa para sombreamento, faixas de arbustos e gramíneas, pavimentação funcional e resistente, e iluminação de baixa altura para pedestres. O importante é: como as diferentes soluções e fatos urbanos se relacionam. A cidade deve integrar e incentivar o diálogo entre as diferenças. A cidade deve abrigar tanto os pedestres quantos os automóveis, e também os bondes, as bicicletas, os ônibus, os metrôs, os skates. Deve dar lugar tanto ao botequim e à mercearia, quanto ao centro comercial. Deve ser terra tanto para torres de incontáveis andares quanto para casinhas geminadas de meia-água. A beleza da cidade está em sua singular diversidade.

Sobre este autor
Cita: Igor Fracalossi. "Urbanidade" 08 Ago 2013. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-133428/urbanidade> ISSN 0719-8906

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