Elogio da caminhada, por Björk

Clay Cockrell, psicoterapeuta de Nova Iorque, cidade onde os psicoterapeutas poderiam ter um bairro somente para eles, realiza suas sessões ao ar livre. Caminhando, mais precisamente. Em lugares como o Central Park ou o Battery Park, onde o cliente preferir, o lugar da consulta é totalmente flexível. O método é mais ou menos o mesmo que o de qualquer terapeuta. Os honorários também. Só o entorno muda, o que não é pouco: o divã, a cadeira de couro, o tapete persa e a biblioteca são substituídos pelo concreto ou o cascalho da rua ou do parque escolhido pelo paciente.

Caminhar é muito mais que cobrir uma distância com os pés. É também uma das mais básicas ferramentas para alcançar o que comumente chamamos de esvaziar a mente. Caminhar é um recurso gratuito, facilmente acessível e quase sempre disponível para voltar a um mundo lento em que a mente pode fazer uma conexão livre de interferências com o corpo, e o corpo, por sua vez, com o solo que pisa e o entorno que o rodeia.

Em um mundo obcecado com aumentar a velocidade de deslocamento das pessoas e dos bens, de incrementar os volumes de transferência de informação instantânea, os quatro quilômetros por hora da caminhada outorgam a lentidão necessária para tomar consciência do corpo e reformatar a cabeça. Ao alcançar-se um ritmo e movimentos cômodos e inconscientes, a mente se vê liberada de uma série de obrigações rotineiras (mas que consomem espaço) e pode repousar ou encontrar um campo mais aberto para impulsionar ideias ou liberar os pensamentos e sentimentos que se acumulam internamente.

Aqui está a raiz do formato particular das terapias a pé. Quem segue adiante deitado em um divã? Diz em seu site um satisfeito Cockrell, que vê na caminhada uma boa maneira de matar dois coelhos com uma cajadada só: o exercício leve de uma caminhada, não só facilita o contato com seus pacientes; também ajuda a mantê-lo em forma, melhorar o seu humor e dar-lhe algo de entretenimento a sessões que geralmente se arrastam quando são realizadas em ambientes fechados.

Exercício n°1: Ir deixando, progressivamente, o anti-depressivo.

Madri, Espanha. Imagem © José Morcillo Valenciano [Flickr], (CC BY 2.0)

Uma das graças de caminhar é que não é necessário pagar por uma hora de honorários do Dr. Cockrell para gozar de seus benefícios físicos e mentais. Todo o longo discurso anterior vem por causa de uma antiga entrevista de Björk, uma das mentes mais inovadoras do mundo da música nos últimos 30 anos, que sempre identificou a caminhada solitária, em contato com a natureza, como parte fundamental de seu próprio processo criativo, e como um mecanismo fácil e eficiente para manter os pés na terra ("escrevo solitária, caminhando ao ar livre"). Ao estilo de Björk, claro. Como disse ao The Guardian em 2007, caminhar é uma atividade que realiza desde sua infância em um subúrbio de sua cidade natal de Reykjavik:

Eu vivia ao lado do último bloco de apartamentos. Além dele, tudo era musgo e tundra. Eu costumava andar sozinha e cantar com toda a força dos meus pulmões. Eu acho que muitos islandeses fazem isso. Não vamos à igreja ou ao psicoterapeuta; apenas andando nos sentimos melhor

Exercício N°2: Caminhar a todo pulmão.

Buenos Aires, Argentina. Imagem © Zeptonn [Flickr], (CC BY-NC-ND 2.0)

Não são poucos artistas e intelectuais que recorrem à caminhada como um exercício necessário de preparação e manutenção para o processo criativo. A finalidade não é pensar ou forçar a chegada de ideias inspiradoras, mas preparar o terreno para que estas encontrem solo fértil no momento de sentar-se para escrever, compor, desenhar ou projetar. É necessário romper com uma sociedade hiper-comunicada, super-conectada, é o que expressa Björk em uma recente entrevista para Pitchfork:

Você pode estar preso no Facebook por um longo tempo, e então você tem um sentimento em seu corpo como se tivesse comido três hambúrgueres. Você sabe que isso é lixo. Então, eu sempre aconselho a meus amigos: simplesmente saia a caminhar por uma hora, em seguida volte e veja como se sente.

Exercício N°3: Sair a caminhar sem celular. Se estiver com ele, deixe-o no modo silencioso, e resista à vontade de olhar. Primeiro 10 minutos, logo 15, depois 1 hora. É possível, e geralmente ninguém morre tentando.

Valparaíso, Chile. Imagem © Caps! [Flickr], (CC BY-NC-ND 2.0)

Estou confuso. Saio para uma caminhada, como costumo fazer quando estou assim. Andar a pé não faz milagres, nem substitui a psicoterapia para aqueles que dela necessitam, mas ajuda que um par de ideias conflitantes sejam desvendadas, que outra desnecessária seja enterrada rapidamente, e que apareça uma terceira que necessita de sua própria caminhada para dar-lhe sua oportunidade. Volto e ouço o pouco que há de Björk no Spotify. Eu nunca gostei muito também, mas é hora de ouvi-la com novos ouvidos. Ouvidos caminhados.

Observação: todas as traduções das reflexões de Björk foram traduzidas do inglês por Rodrigo Díaz, autor desse artigo.

Siga a conversa com Rodrigo Díaz no Twitter: @pedestre.

Sobre este autor
Cita: Díaz, Rodrigo. "Elogio da caminhada, por Björk" [Elogio de la caminata por Björk] 31 Mai 2017. ArchDaily Brasil. (Trad. Souza, Eduardo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/872507/elogio-da-caminhada-por-bjork> ISSN 0719-8906

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