Combatendo o neoliberalismo: O que os arquitetos de hoje podem aprender com os Brutalistas

Nesta segunda edição de sua coluna "Beyond London" para o ArchDaily, Simon Henley, da Henley Halebrown, de Londres, discute uma possível influência que pode ajudar os arquitetos do Reino Unido a combater a hegemonia econômica que atualmente aflige o país - voltando-se para a orientação moral dos brutalistas da década de 1960.

Antes do Natal, eu terminei de escrever meu livro intitulado Redefining Brutalism. Como o título sugere, estou buscando redefinir o assunto, desintoxicar o termo e encontrar relevância no trabalho, e não apenas um motivo para nostalgia. O Brutalismo concreto é, para a maioria das pessoas, um estilo que você ama ou odeia. Mas o Brutalismo é muito mais do que apenas um estilo; é um modo de pensar e fazer. O historiador e crítico Reyner Banham argumentou em seu ensaio de 1955 e no livro de 1966 intitulado The New Brutalism: Ethic or Aesthetic que o Novo Brutalismo começou como um movimento ético para depois ser entendido como um estilo. Hoje, é um espelho a ser erguido para a arquitetura do neoliberalismo, para uma arquitetura que serve ao capitalismo. Mais do que nunca, a arquitetura é associada à marca dos grandes arquitetos cujo trabalho tem pouco a ver com os desafios que a sociedade enfrenta, que hoje não são muito diferentes daqueles enfrentados pela geração do pós-guerra: construir casas, lugares para aprender e trabalhar, lugares para aqueles que são mais velhos e doentes, e lugares para se reunir. Podemos aprender muito com essa geração passada.

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The Hayward Gallery em Southbank Centre, em Londres. Imagem © Usuário Flickr rogersg licença CC BY-SA 2.0

Como eu disse na minha última coluna, "É hora da arquitetura se tornar mais uma vez parte de como concebemos o futuro das nossas cidades, e não apenas como estilizamos esse nosso futuro."

A primeira vez que o Brutalismo se apresentou a mim, um então estudante de graduação, foi a partir de um estacionamento de vários pavimentos nas páginas brilhosas em formato paisagem da publicação de 1965 de Dietrich Klosse "Multistorey Car Parks and Garages", com suas fotos preto e branco e fonte não serifada. O "grande período" de projetos de estacionamentos revelou-os com materiais resistentes, em edifícios esqueleto, que por trás de suas fachadas escondiam-se seus pisos líquidos moldados na escuridão pelas sombras pesadas. Em uma bicicleta ou num skate estes espaços são alegres. Sozinho, a pé, e à noite podem ser hostis. Muito rapidamente esse interesse me levou ao béton brut de Le Corbusier na Índia e à "pedra derretida" de Kahn nos Estados Unidos, os quais eu visitei. Rapidamente, os estacionamentos de vários andares tornaram-se um portal através do qual pude me conectar com uma geração de edifícios, especialmente com o Hayward e o Queen Elizabeth Hall no Southbank de Londres, tema do meu trabalho de conclusão de curso na graduação.

St Peter's em Klippan por Sigurd Lewerentz. Imagem © Usuário Flickr seier licença CC BY 2.0

Em meados da década de 1930, Le Corbusier havia rejeitado seu antigo Purismo plástico branco e sua crença na tecnologia. Como Kahn, ele parecia querer abordar questões existenciais mais profundas. Também é o caso de Sigurd Lewerentz. Escrevendo sobre a igreja de tijolos de Lewerentz, St Peter, em Klippan, Adam Caruso diz: "É como se Lewerentz nos obrigasse a enfrentar a condição de nossa existência, o tempo todo". Na mesma linha, Juhani Pallasmaa lamenta a perda da sensualidade. Como explica em seu livro The Eyes of the Skin: Architecture and the Senses, "os materiais de hoje, produzidos por máquinas - grandes folhas de vidro, metais esmaltados e plásticos sintéticos - tendem a apresentar superfícies rígidas ao olhar, sem que transpareçam a essência de seu material ou sua idade". Embora esses arquitetos e suas obras fossem excepcionalmente potentes, não eram únicos. O escritório escocês de arquitetura Gillespie, Kidd & Coia criou obras extremamente poderosas para a Igreja Católica, em particular o Seminário de São Pedro, em Cardross, que atualmente está sendo renovado por Avanti Architects para criar um local voltado às artes, e St. Bride's Kilbride, cujo campanário foi demolido na década de 1980, mas o qual a Igreja agora está tentando reconstruir. O trabalho de Gillespie, Kidd & Coia estendeu-se à Robinson College Cambridge e ao sul da Universidade de Hull, onde projetaram residências de estudante, chamadas The Lawns.

Seminário de São Pedro em Cardross, Escócia, por Gillespie, Kidd & Coia, aqui apresentado em seu estado original. Imagem Cortesia do Arquivo de GKC

Denys Lasdun, embora nunca um membro do Team 10, compartilhou seu interesse no estruturalismo e na "associação". Estas ideias ficaram evidentes primeiro em seus apartamentos "agrupados" na Claredale Street, no distrito de Bethnal Green, em Londres - ideias que levaram Victor Bodiansky, George Candilis e Shadrach Woods a escreverem a Lasdun sobre seus interesses comuns. Lasdun expandiria seu pensamento na Universidade de East Anglia - Mike Webb, autor da publicação de 1969 Architecture in Britain Today, comparou sua estrutura orgânica com a de uma árvore. A sua produção industrializada em concreto pré-fabricado contrasta profundamente com o cenário de parque do século XVIII e, no entanto, o conjunto lógico de infraestruturas para pedestres e serviços, com uma parede de blocos pedagógicos e ziggurats residenciais na frente, representa um mundo desconhecido, mas pitoresco para viver e estudar. A re-imaginação de Lasdun acerca do ensino superior foi repetida nas novas universidades, em Essex, por Kenneth Capon, da Architects’ Co-Partnership, na Universidade de Sussex, por Sir Basil Spence, da Bonnington & Collins, e na Universidade De York por Robert Matthew, Johnson-Marshall & Partners.

Universidade de East Anglia, projetada por Denys Lasdun. Imagem © Usuário Flickr martinrp licença CC BY-ND 2.0

Em Oxford e Cambridge, essa geração de arquitetos desafiou a convenção, encontrando novas maneiras de representar essas instituições medievais e suas faculdades constituintes: a Churchill College, em Cambridge, foi objeto de uma competição cujo ganhador foi o Richard Sheppard, Robson & Partners em 1958; o New Hall, em Cambridge e o St. Anne's, em Oxford, também foram concluídos pelos finalistas do concurso Churchill College - Chamberlin, Powell & Bon e Howell Killick Partridge & Amis, respectivamente. Recentemente, o 6a Architects concluíram um novo bloco de moradia estudantil na Churchill College. Talvez o que é mais importante no projeto da 6a é como as propriedades tectônicas de seu novo pátio mimetizam as do original apenas em escala, lembrando-nos que o tipo de pátio não é uma ideia nostálgica banal, mas que significa um propósito coletivo e um terreno comum para os indivíduos e grupos reunidos pelas estruturas pedagógicas e físicas da instituição.

Casa Dunelm em Durham, por Architect's Co-Partnership. Imagem © Usuário Geograph Des Blenkinsopp licença CC BY-SA 2.0

A lista de edifícios de ensino superior dos anos 1950 e 1960 é longa - faculdades inteiras, departamentos e residências estudantis, todos moldados para estruturar atividades e produzir comportamentos, não apenas estilizados para se apresentar de uma certa maneira. A Casa Dunelm da Universidade de Durham - uma coleção de cafés, salões e espaços de montagem com telhados inclinados em concreto - vence as encostas íngremes do vale Wear até o seu próprio abrigo para barcos junto à água. Ela também foi projetada pela Architects’ Co-Partnership, desta vez por Dick Raines, e atualmente está sob ameaça. Ao contrário de muitos edifícios universitários contemporâneos, os espaços internos robustos são duráveis. No interior, o concreto tem muito em comum com as paredes de pedra de uma rua histórica, uma arquitetura mais ambígua, mais tal qual uma cidade que um edifício. Em outras palavras, tem a capacidade de sustentar a vida social de uma comunidade de estudantes sem recorrer à seleção consciente de materiais que visam à forma e servem à atual corrida armamentista no ensino superior.

Park Hill em Sheffield: à esquerda, seu projeto original; à direita, um corte de sua renovação. Imagem © Paul Dobraszczyk

Esses arquitetos tinham em mente um corajoso novo mundo, que serviria os objetivos da social-democracia, que traria educação superior a uma gama mais ampla da sociedade, e criaria novos bairros como o Park Hill em Sheffield, onde os arquitetos originais Ivor Smith e Jack Lynn trabalharam com um sociólogo para distribuir as várias famílias dentro de sua estrutura. Hoje, encomendado pelos empreendedores Urban Splash, os arquitetos Hawkins\Brown, Studio Egret West e Mikhail Riches estão modernizando a propriedade. Aqui, as ruas em terraços eram famosas e, em grande medida bem sucedidas, foram substituídas por "ruas no céu". A ideia de ruas-no-céu tinha sido sugerida por Lynn e Gordon Ryder e os Smithsons, em suas propostas para a Golden Lane Competition de 1951. Como explicaram os Smithsons, esses "habitats" - um termo que eles usaram deliberadamente para combinar habitação, vizinhança e cidade - devem ser pensados sistemicamente e estruturados para a "associação" de pessoas.

"Ruas no Céu" no Robin Hood Gardens por Alison e Peter Smithson. Imagem © Usuário Flickr stevecadman licença CC BY-SA 2.0

Arquitetos em todo o mundo pediram, sem êxito, para as posteriores "ruas no céu" dos Smithsons no complexo habitacional Robin Hood Gardens serem preservadas. Ao contrário do Park Hill, não será dada uma segunda chance a este complexo, e logo será demolido, apesar de uma proposta para adaptar o edifício por Sarah Wigglesworth. E, no entanto, apesar de todas as falhas no Robin Hood Gardens, difíceis de distinguir da negligência de que esses edifícios têm sofrido, há no coração de sua concepção uma ideia profunda de que eles podem enquadrar e proteger uma paisagem interna dos caprichos da cidade e, ao fazê-lo, criou o que Peter Smithson descreveu de forma comovente, pelo menos posteriormente, como uma "zona livre de estresse".

Robin Hood Gardens por Alison e Peter Smithson. Imagem © Usuário Flickr stevecadman licença CC BY-SA 2.0

O desafio que Robin Hood Gardens realmente apresenta aos políticos reside na luta para proteger essa "zona livre de estresse", pois aos olhos deles, é um desperdício de espaço. Naturalmente, o terreno pode acomodar muito mais habitações, mas irá expor seus habitantes futuros a um ambiente mais congestionado, e por definição, mais estressante. Os Smithsons inspiraram-se na tradição inglesa de construir em áreas de parque e procuraram comparar seu complexo habitacional com os circos georgianos em Bath e as paisagens que capturam, tudo isso como um anátema para os altos valores da terra na cidade de hoje. The Barbican é o herdeiro da frase de Peter Smithson "zona livre de estresse", uma parte da cidade que sempre servirá como um refúgio da cidade ortodoxa, além de seus limites - das realidades comerciais de desenvolvimento das propriedades, comércio e compras; as tecnologias de circulação e de transporte em massa; e o ruído, odores e perigo que trazem com eles.

The Barbican em Londres. Imagem © Joas Souza

O que distingue este trabalho da geração atual de edifícios é a capacidade de todos os envolvidos de chegarem à mesa de discussão com poucos preconceitos. Nos anos 60, apesar das críticas subsequentes do período, havia um intenso interesse na vida social dos assentamentos e uma consciência histórica, mas ainda uma imensa confiança no futuro. Seja o Festival de Teatro de Chichester de Powell e Moya ou a Unidade de Cirurgia de Transplante de Nuffield de Peter Womersley em Edimburgo, o cliente, os engenheiros e arquitetos ousaram mostrar sua inocência e explorar as possibilidades dessa inocência. Hoje, essa inocência desapareceu, e foi substituída por ideias fixas e muita regulamentação. Tanto o tecido quanto o espaço construído estão estritamente codificados. Fortes preconceitos substituíram a dúvida construtiva - um fenômeno que permitiu que as equipes chegassem a uma solução prática que não se podia prever. Às vezes, essas ideias dos arquitetos eram ingênuas, mas não há dúvida de que eles trabalharam com um forte sentido de propósito e convicção real. Era uma arquitetura extremamente inventiva, impulsionada por um propósito coletivo, com a qualidade de uma verdadeira humanidade, por mais defeituosa que fosse, do pitoresco e do sublime. Hoje, onde há aspiração, é mais frequente que não sirva ao mercado, seja financiado de forma privada ou pública. Na prática, houve uma trágica perda da inocência - uma inocência que, por uma geração, serviu muito bem ao futuro da sociedade.

Sobre este autor
Cita: Simon Henley. "Combatendo o neoliberalismo: O que os arquitetos de hoje podem aprender com os Brutalistas" [Fighting the Neoliberal: What Today's Architects Can Learn From the Brutalists] 25 Mar 2017. ArchDaily Brasil. (Trad. Moreira Cavalcante, Lis) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/867554/combatendo-o-neoliberalismo-o-que-os-arquitetos-de-hoje-podem-aprender-com-os-brutalistas> ISSN 0719-8906

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