Superando o clichê da "participação"

Existe o desenho participativo? Ou trata-se simplesmente de uma etiqueta de marketing que os arquitetos e urbanistas utilizam? Está é, talvez, a pergunta central por trás de muitas das intervenções e projetos que vemos nas cidades latino-americanas, mas que não sabemos responder.

Em primeiro lugar, levanta-se a pergunta sobre o que podemos definir como "participação" dentro da atuação urbana encontra-se em constante discussão. O que é o que entendemos por participação? Como se faz? Quais métodos são necessários para que, efetivamente, afirme-se que existiu participação em um determinado projeto? Sobre a linha dessas questões, em Maio deste ano promoveu-se uma discussão chamada "O desenho participativo existe?", onde o diretor da Msc Building and Urban Design in Development da University College of London, Camilo Boano, desenvolveu algumas ideias sobre o tema da participação. Aqui colocam-se algumas reflexões:

Uma das abordagens centrais que recai sobre o tema do desenho participativo é a oportunidade que se apresenta para pensar sobre o urbano. Se tratarmos de participação, estaríamos falando sobre qual o tipo de cidade que desejamos. Falar de desenho participativo nos convida a colocar-mo-nos como agentes de produção da cidade. Sob tal perspectiva, é possível apontar o primeiro problema ou desafio. Como menciona Boano no debate, existe dentro do desenho participativo "uma tensão entre poder, autor e saber" que gera uma série de questões importantes, como quem dirige o processo participativo? De quem é o produto final? A quem serve este processo? Nesse sentido, estas três variáveis (poder, autor e saber) representarem três eixos nos quais se desenvolve a participação.

Assim, é possível garantir que o desenho objetivo existe. Circunstancial, não universal, mas existe. Nas palavras de Boano, "o urbanismo participativo não existe como modelo". Isso significa que não é possível gerar um modelo de participação universal que possa ser replicado em todos os lugares. A participação será sempre tão contingente como o meio na qual se desenvolve, compreendendo que, inclusive sob as mesmas condições, ela possa gerar processos distintos. Consequentemente, nos encontramos com o segundo problema de desenho participativo: sua caracterização. Para esta questão, Boano expõe três alternativas (ou adjetivos) para criar um papel específico para diferentes expressões deste fenômeno.

Estas são:

1. De emancipação, vinculado às práticas insurgentes.
2. De reconhecimento, relacionado às práticas inclusivas.
3. De ativação, ligadas às práticas reconciliatórias ou pós-conflito.

Em qualquer caso, estas caracterizações têm em comum o fato das três buscarem comunicar uma realidade. Não é surpresa que a participação como fenômeno tenha surgido como oposição ao planejamento urbano centralizado. A realidade é que, cada vez mais, existe uma necessidade de construir a cidade de forma compartilhada, com o objetivo de tornar as intervenções e planos urbanos, reflexos das aspirações e das necessidades das sociedades e indivíduos que serão afetados e/ou beneficiados. O que leva à terceira e última questão: Qual é o papel do desenho participativo? Do ponto de vista do local, este deve ser um instrumento que reconecte o tecido social para empedra-lo; do ponto de vista metropolitano, a participação deve permitir a construção de narrativas comuns a todos.

Não devemos esquecer que o desenho participativo não é garantia de êxito. A construção da cidade é um processo interativo, cheio de acertos e fracassos. Apesar disso, a participação deve ser, não mais um adendo dos processos de transformação urbana, mas um elemento chave que permita vincular todas as formas de vida que se dão dentro da cidade com sua construção. Falar em processos participativos nas cidades latinoamericanas deve ser entendido como um processo constante, cujo resultado deve ir além de simplesmente um projeto urbano, representando trajetórias de construção futura de um lugar melhor para viver. O desenho participativo existe, mas é necessário compreende-lo como algo que deve se expressar em cada realidade a ser transformada, não como um método a ser replicado. Só assim esta forma consegue superar sua banalização. Diria Boano: "a participação não se ensina, se descobre...".

Sobre este autor
Cita: José Manuel Guzmán. "Superando o clichê da "participação"" [Superando el cliché de la “participación”] 15 Out 2016. ArchDaily Brasil. (Trad. Daudén, Julia) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/797134/superando-o-cliche-da-participacao> ISSN 0719-8906

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