Construindo Arte: a vida e a obra de Frank Gehry. Uma conversa com Paul Goldberger

Frank Gehry não é só um dos arquitetos mais importantes do mundo, ele é também, sob todos os padrões públicos, um dos nossos maiores artistas vivos. A nova biografia escrita por Paul Goldberger (sua primeira), Building Art: The Life and Work of Frank Gehry, reconhece o status de celebridade do arquiteto, mas não o apoia. Em vez disso, Goldberger interroga a psique peculiar e as contradições recorrentes do indivíduo para iluminar as motivações por trás da arquitetura. O editor da Metropolis, Samuel Medina, conversou com o recém-proclamado biógrafo sobre desafiar as convenções, desembrulhar as ambiguidades da obra de Gehry, e “dar o dedo” aos repórteres.

Imagem Cortesia de Alfred A. Knopf

Samuel Medina: Na última década, os críticos têm sido muito ansiosos ao depreciar Frank Gehry simplesmente como um starchitect. Como isso é um julgamento redutivo ou injusto?

Paul Goldberger: Eu diria que há um lado dele que é muito não-starchitect. Eu estava falando há pouco com alguém do Los Angeles Times que está escrevendo uma matéria sobre o projeto de Gehry em Watts [para a instituição sem fins lucrativos Children’s Institute, Inc.], e falando sobre seu interesse por toda a vida na responsabilidade social, e o livro aprofunda nisso. Frank Gehry não quer ser lembrado como alguém que fez só alguns edifícios icônicos no contexto de uma vida inteira, porque para ele há mais que Bilbao ou o Walt Disney Concert Hall.

SM: Uma nota sobre o gênero biográfico: esta é uma biografia “autorizada” e a voz de Gehry é muito presente ao longo do livro, e esses tipos de biografias podem, claro, facilmente deslizar a uma hagiografia. Que tipo de metáforas ou convenções você milita contra?

PG: Eu não gosto de usar o termo “autorizado” porque ele normalmente implica ou é entendido como uma espécie de aprovação. Se Frank tivesse querido isso, teria sido seu privilégio pedi-lo, assim como teria sido meu privilégio dizer “não”. Eu não tomaria o livro nesses termos. Ele não teve direito de revisão, não teve direito de apagar algo que lhe desagradou, e eu sei que há algumas coisas que ele gostaria que não estivessem. O fio condutor do livro é, de fato, positivo, mas isso é o que eu sinto. Ele não é adulador em cada palavra e cada frase.

Walt Disney Concert Hall, Los Angeles, 2003. Imagem © Gehry Partners, LLP

SM: A primeira vez que você conheceu Gehry foi em 1974, e você tem registrado sua obra frequentemente ao longo dos anos. Mas no livro você quase se abstém em rediscutir seus julgamentos críticos anteriores, geralmente se restringindo a descrever a obra em contexto, incluindo outros comentários críticos contemporâneos. Por quê?

PG: Eu tentei trançar os gêneros de uma narrativa e de uma análise crítica. Mas para que algo como isso funcione ele tem que ser primordialmente uma narrativa –a análise crítica tem que subir na garupa da narrativa e não o contrário, ou simplesmente não funciona. Sou muito ciente daquelas obras nas quais isso foi feito com êxito, provavelmente a recente biografia sobre de Kooning escrita por Mark Stevens e Annalyn Swan, que é extraordinária. O objetivo com esse livro sempre foi fazer algo que apelasse ao leitor comum –o leitor comum, educado e inteligente– não só o público da arquitetura, e isso também implicava pouca imposição crítica na narrativa. Há alguma crítica, definitivamente, mas se isso guiasse o livro, já não seria uma biografia, seria uma obra de crítica. E já há muitas monografias sobre sua obra. Eu não acho que o mundo precise de mais uma.

SM: O amadurecimento de Gehry e a própria história urbana de LA estão em certa medida entrelaçadas na sua narrativa...

PG: Não há dúvidas de que as histórias são entrelaçadas. Ele e a cidade tem tido uma dinâmica relação por um longo tempo. Primeiramente, ele fez uma arquitetura a partir do vernacular de LA, que ninguém havia feito antes, e então ele se tornou depois uma força importante numa LA mais madura. Sua relação com a cidade sempre foi algo muito emocional, como quando o Disney Concert Hall atravessava sérias dificuldades e Frank quase teve que se mudar por causa disso.

SM: Há um núcleo conservador à estrutura utópica de LA, e é o oposto com Gehry, que tem essa sensibilidade liberal sincera e bem-vinda, mas que agora é considerada como parte de um sistema. Sua política tem mesmo algum efeito na sua obra?

PG: Ele emerge de uma quase trivial tradição operária vagamente socialista, geralmente de judeus de esquerda. Ele cresceu com isso em Toronto, e isso não mudou muito quando ele se mudou para LA. Ao longo da sua carreira, ele tentou, com variáveis graus de êxito, expressá-lo e torná-lo conhecido. Claro que foi um pouco difícil de notá-lo quando Bilbao estava recebendo toda a atenção, e certamente ele não fez suas inclinações políticas patentes naqueles tempos; entretanto isso sempre foi parte dele e de sua psique. Acho que é por isso que ele está fazendo agora o projeto do Rio Los Angeles para revitalizar o curso d’água mais famoso da cidade e o Centro de Saúde Mental das Crianças em Watts. É um leitmotif que corre por toda sua vida, e Frank sempre esteve em guerra com seu desejo de fama e inclinação pela cultura da celebridade.

Goldberger, sentado na Gehry's Wiggly Side Chair (1972). Imagem Cortesia de Michael Lionstar

SM: Você mencionou a psique, e numa parte do seu livro você desconstrói Gehry com humor como parte Frank Lloyd Wright e parte Woody Allen, que deveria ser a sinopse da contracapa. Psicologia de poltrona é parte e parcela desses tipos de biografias, como isso é diferente aqui?

PG: Sou sempre um pouco hesitante em sugerir muita conexão entre a psique e a obra. Há uma conexão –a obra não existiria sem a psique– mas não é assim de simples. Gosto dessa linha também, mas ela foi intencionalmente feita para enviar mensagens misturadas, porque Wright e Woody Allen são psiques fundamentalmente inconsistentes e incompatíveis. Contudo, de alguma forma Frank parece trançar elementos de ambos. A angústia constante que Frank de fato sente e se preocupa não é diferente de um personagem de Woody Allen, e o senso de nunca ser completamente satisfeito como o neurótico no seu psiquiatra dizendo “por que eu não sou feliz?” –há muito desse lado nele. Na inauguração da Fundação Louis Vuitton em Paris, quando todas essas coisas incríveis aconteceram –ele é o herói da cidade e festa depois de festa está sendo feita em sua honra– ele disse “eu só queria ser o tipo de pessoa que pudesse ser mais feliz com tudo isso e pudesse ter toda a alegria nisso, mas eu não posso”. Há uma conexão direta entre isso e a arquitetura, ou é a arquitetura algo que ele produz quando ele é capaz de superar alguns desses instintos que o desafiam e o bloqueiam criativamente? Tendo a pensar que é um pouco mais do segundo.

SM: Vamos falar um pouco mais de arquitetura. Muito foi feito sobre como a obra inicial de Gehry adotou o vernacular e o subverteu em um sentido. Onde você colocaria Gehry no espectro dos pós-modernistas, de finais de 1960 e começos de 1970?

PG: Não há dúvidas que há muito de vernacular em Hillcrest Apartments [1962, uma das primeiras encomendas independentes de Gehry], e é por isso que Esther McCoy não gostou. O livro também fala sobre o fato que há similaridades entre Frank e pós-modernistas como Robert Venturi e Charles Moore, cuja arquitetura não poderia ser mais diferente superficialmente; mas, quando Frank emerge por si próprio, ele buscava fazer uma crítica muito similar ao Modernismo ortodoxo. Num momento inicial, quando Robert Venturi estava construindo a casa da sua mãe e Frank estava construindo suas primeiras obras, os impulsos por trás dos distintos projetos eram na verdade supreendentemente similares, e isso é um ponto que eu tento fazer. Ultimamente, eles escolheram interpretar isso de maneiras muito muito diferentes, e com o passar dos anos as obras se tornaram mais e mais diferentes. Mas de fato há uma certa raiz comum.

Guggenheim Bilbao (1997). Imagem © Ivan Herman (ivan-herman.net) (CC BY-ND 3.0)

SM: Sua obra tem também um aspecto quase punk, uma rudeza e uma inconformidade que se perdem quando ele adota os softwares computacionais. Bilbao, por exemplo, perdeu algo do seu apelo de vanguarda, em parte por causa do trabalho que ele conduzia dentro, por Gehry e outros. É possível ler aquele edifício de uma nova maneira hoje apesar de sua infortunada influência?

PG: Eu acho que ele é um edifício muito mais sutil e importante do que a marca starchitecture sugere, e ele foi reduzido àquilo por pessoas que gostam dele mas não o entendem completamente. Esse é o preço que se paga quando uma obra de alta cultura é aceita pela média cultura. Isso pode acontecer na literatura, cinema, e música –há um monte de pessoas que agora acham David Foster Wallace muito legal e o leem sem compreender de fato muito do que fez dos seus escritos extraordinários, e eu diria que o mesmo é o caso aqui. Foi fundamentalmente uma coisa boa para a sociedade que aquele edifício se tornasse icônico. Dito isso, não é lanche grátis, e naquela transformação em um objeto icônico certa quantidade de entendimento foi perdida ou os pontos mais finos desapareceram à medida que o edifício se tornou estereotipado; de fato, ele é uma peça de urbanismo mais sutil e astuta do que se entende normalmente. Obviamente, se alguém gosta dos seus edifícios, Frank fica feliz com isso, embora eu ache que ele sente que a maioria das razões pelas quais seus edifícios são apreciados são as razões erradas.

O primeiro croqui de Frank Gehry para o Museu Guggenheim de Bilbao. Imagem Cortesia de Gehry Partners

SM: O que exatamente ele quer então?

PG: Ele é cheio de conflitos, que é uma das coisas que o fazem tão interessante. Há uma linha no livro onde ele diz que o sucesso é sempre mais difícil de lidar do que com o fracasso. Ele almeja o sucesso e é aterrorizado por isso ao mesmo tempo. Você tem que aceitar essa contradição. Por exemplo, ele abandonou sua coleção de mobiliários de papelão corrugado [Easy Edges, que estavam sendo vendidos nas lojas Bloomingdale no começo dos anos 1970]. Ele disse que foi primordialmente porque ele seria manipulado como uma personalidade pública ao ponto que ele deixaria de ser um arquiteto. Ele sempre abandona coisas quando elas começam a lhe inquietar –mesmo quando elas poderiam ter sido de grande benefício pessoal– ou se ele sente que está perdendo o controle. Com o edifício do New York Times, ele foi tudo menos oficialmente escolhido para projetá-lo, então ele abandonou o projeto, e veio Renzo Piano. Ele ficou algo como assustado com fazer um arranha-céu em Nova York, e também achou que seria uma coisa mais corporativa do que ele gostaria de suportar. Então ele não o fez.

Fondation Loius Vuitton, Paris (2014). Imagem © Iwan Baan

SM: Nos últimos cinco ou sete anos, os edifícios têm tomado um caráter comum que poderia ser chamado “estilo Gehry tardio”, onde há um tipo de olhar reverencial à sua própria obra, como na New World Symphony. É somente nostalgia ou é mais produtivo do que isso?

PG: Certamente é mais que nostalgia, ou mais, a nostalgia da obra é instrumental. Não estou certo de que Frank concordaria com isso, o que ele concordaria com minha interpretação sobre a Fundação Louis Vuitton combinar o primeiro e o último Gehry. No caso da New World Symphony, as circunstâncias eram diferentes –mas para destacar algo que era igualmente importante para ele, especialmente agora, está seu quase desesperado desejo de provar que ele pode fazer edifícios dentro de um orçamento que respondem aos programas. Não há nada que o incomode mais que ser imaginado como alguém que faz superfícies caprichosas que são arbitrárias e sendo definido como um arquiteto “é pegar ou largar”. Ele sente que isso é a maior incompreensão da sua obra, e nisso eu concordaria com ele. A New World Symphony foi sua tentativa de mostrar que ele poderia projetar algo dentro do orçamento, e era um orçamento bem justo para aquele edifício. Ele queria mostrar que estava feliz em inserir um auditório Gehry-esco dentro de uma caixa, porque era a maneira mais barata de fazer. Apesar de quão visualmente e formalmente diferentes suas últimas obras possam ser, projetos como a New World Symphony e o Fisher Center em Band me fazem pensar em Venturi e a complexidade e contradição da arquitetura mais do que o faz Norman Foster.

New World Center, Miami (2011) . Imagem © Wikimedia Alexf (CC BY-SA 3.0)

SM: Você diria que Gehry é o último do seu tipo, por assim dizer? Ou você pelo menos admitiria que a figura arquiteto-artista que ele representa está em risco?

PG: De várias maneiras Gehry é um arquiteto muito tradicional, porque ele acredita em edifícios únicos que criam experiências singulares no espaço físico real e que são forma material organizada de uma maneira particular. É bem possível que a tecnologia fará que essa ideia se torne obsoleta em algum momento. E se a cultura arquitetônica o ultrapassar, será tanto por essa razão quanto por qualquer outra coisa. Ele é da crença –e só o tempo dirá se ele está certo ou errado– que a melhor maneira de usar a tecnologia não é a replicação infinita, mas fazer econômica a criação de objetos únicos. Essa é a teoria detrás da 8 Spruce Street, a torre de apartamentos em Lower Manhattan, onde seu software possibilitou que a fachada fosse o que é e que o edifício fosse construído com um custo próximo a um apartamento convencional em altura de Nova York. Então, ele está de fato acompanhando os tempos e se preparando para outra era, e se outras pessoas farão isso da sua maneira ou não ficará para ser visto.

SM: Houve uma grande controvérsia sobre ele “dar o dedo” a um repórter espanhol ano passado. O que isso diz, além do próprio gesto, sobre a percepção de Gehry sobre ele mesmo?

PG: Eu acho que isso diz muito menos do que qualquer pessoa diria. A maior significância disso é muito mais que ele se tornou outra celebridade, e portanto qualquer coisa que ele faça gera atenção. Ele sempre reclamou de ser mal citado, que ele não disse que “98% de tudo que é projetado hoje é pura merda”, mas que “98% de tudo que é edificado e construído hoje é pura merda” –ou seja, tudo que constitui o entorno construído. Mas o que ele estava realmente dizendo é que certas obras de arquitetura são especiais e tem a habilidade de prover experiências transcendentais. Isso não quer dizer que tudo deva ser dessa maneira. A ideia de que Frank Gehry não é válido porque seria um mundo terrível se tudo fosse como seus edifícios –claro que seria. Mas também seria uma vida horrível se você tivesse fones de ouvido e fosse forçado a escutar as sinfonias de Beethoven por todo o dia, todos os dias. Grandes obras de arte não estão para cobrir o mundo a todo momento e em cada lugar. É uma ocasião para experiências especiais que impactam sua psique e sua vida de maneira muito especiais, mas nós precisamos de arquitetura de pano de fundo e também outras coisas de pano fundo. O que Frank estava tentando dizer era “Por que você está tentando nos pôr para baixo?” –nós arquitetos estamos tentando permitir aqueles momentos especiais– “não é como se nós estivéssemos tentando dizer que nada mais importa”. Eu tenho que dizer que eu concordo muito com ele. Você pode dizer ao pintor: “É uma pintura linda, mas por que você não pôs todo esse esforço em acabar com a fome?” Bom, talvez. Mas não é um comentário que cria qualquer discurso significativo ou dá profundidade de entendimento à sua arte ou à sociedade. Arte não sustenta as pessoas da maneira como comida sustenta, mas grande arquitetura já sustenta o significado mais profundo da vida. Acho que tudo o que Frank estava tentando dizer era “Corta essa, isso é tudo que estou tentando fazer”.

Fondation Louis Vuitton, Paris (2014). Imagem © Todd Eberle
Sobre este autor
Cita: Samuel Medina. "Construindo Arte: a vida e a obra de Frank Gehry. Uma conversa com Paul Goldberger" 31 Dez 2015. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/779713/construindo-arte-a-vida-e-a-obra-de-frank-gehry-uma-conversa-com-paul-goldberger> ISSN 0719-8906

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