"The Landscape Imagination" - Ensaio sobre o High Line, por James Corner

O texto a seguir é um trecho do livro The Landscape Imagination: The Collected Essays of James Corner 1990–2010 by James Corner. Nesta passagem, Corner discute o trabalho de John Dixon Hunt e as qualidades de seu trabalho que Corner procura incorporar no seu próprio (incluindo o redesenho paisagístico do High Line de Nova Iorque, realizado pelo seu escritório - James Corner Field Operations)

Ao longo das últimas duas décadas, James Corner reinventou a disciplina do paisagismo. Seus escritos bastante influentes da década de 1990, incluídos no best-seller Recovering Landscape, juntamente com uma série de projetos construídos após a virada do milênio, como o célebre High Line de Nova Iorque, provam que a melhor maneira de resolver os problemas que enfrentam nossas cidades é abraçar seu passado industrial. Coletando os escritos de Corner do início da década de 1990 até 2010, The Landscape Imagination aborda questões críticas sobre arquitetura paisagística e reflete sobre como seus escritos influenciaram a obra construída de seu próspero escritório em Nova Iorque, o Field Operations.

The Landscape Imagination - Ensaio sobre o High Line, por James Corner - Mais Imagens+ 8

Assombrações de Hunt: história, recepção, e crítica do projeto do High Line

Por "Assombrações de Hunt," (Hunt’s Haunts) me refiro aos escritos de John Dixon Hunt e às muitas discussões que tive com ele ao longo dos anos que permaneceram comigo de uma forma profundamente enriquecedora e, ao mesmo tempo, estranhamente inquietante. Afinal, boa crítica e estruturas conceituais complexas inevitavelmente representam um desafio - e um que pode agitar e assombrar seu senso de direção, se deixado irresoluto.

Este mesmo ponto em relação à recepção de ideias fecundas e desafiadoras também poderia ser dito de algumas das assombrações físicas favoritas de Hunt - alguns dos grandes jardins e lugares de onde ele tirava inspiração e nos quais seu trabalho está focado. Esses locais incluem Stowe, Stourhead, Bomarzo, os melancólicos e ocultos jardins de Veneza, e os muitos outros que lhe proporcionaram a sensação de uma "perfeição maior." Como ele escreveu, esses lugares são "assombrados por espíritos inegáveis, [em que] o ambiente pode se tornar paisagem." Por espíritos, é claro, ele não se refere a alguma essência mística, mas sim a mente humana - à imaginação, às ficções e aos projetos que criam um lugar de presença duradoura, uma presença que assombra precisamente por causa dos efeitos que tendem a persistir e escapar de qualquer forma de definição fácil.

Bons jardins assombram justamente porque inevitavelmente excedem o pensamento. Esse fenômeno de assombração - tanto enquanto lugar e ideia, como desenvolvido através da escrita de Hunt sobre o assunto - é inspirador e indescritível. É um tema fascinante e fundamental de toda a arte. Descritas aqui estão três assombrações recorrentes no trabalho de Hunt que eu, particularmente, acho relevante para o meu próprio. Neste contexto, usarei algumas imagens do projeto do High Line para sugerir um certo esforço na prática do mundo real para testar aproximar certas ideias.

© Russel Fernandez/ Princeton Architectural Press

Primeiramente, o trabalho de Hunt no local, as próprias assombrações. Hunt construiu um argumento quase indiscutível de que a especificidade dos locais está no cerne de todos os trabalhos de paisagismo arquitetônico. Nesse sentido, ele elaborou conceitos-chave como o "gênio do lugar", "ler e escrever o local", "placemaking como uma arte do ambiente", "mediação local", e o agrupamento de "três naturezas" onde o jardim (terceira natureza) é uma concentração focada de seus arredores. Uma leitura atenta dos atributos de um lugar específico - sua história, as suas várias representações, seu contexto e seus potenciais - conspira para informar um novo projeto que é de alguma forma uma intensificação e enriquecimento do lugar. Cada lugar é um acúmulo de forças locais ao longo do tempo, e assim, Hunt argumenta, qualquer resposta significativa de projeto deve, de alguma forma, interpretar, estender e ampliar esse potencial dentro de seu contexto específico. Avesso às abordagens universais e estilísticas no processo de projeto, Hunt exige originalidade inventiva em relação a circunstância específica. No caso do High Line, uma leitura muito próxima foi feita da história do local e do contexto urbano. Duas leituras foram particularmente importantes - uma delas foi a qualidade singular e autônoma da infraestrutura de engenharia de transportes (sua linearidade e repetição, indiferente ao contexto circundante, o aço impetuoso e a paleta de concreto); a outra foi o efeito surpreendente e encantador de vegetação auto-disseminada sobre a estrutura pós-industrial, uma vez que os trens já não mais percorriam seus trilhos - uma espécie de melancolia capturada anteriormente em fotos pelo artista Joel Sternfeld. Estas fotografias foram, mais tarde, usadas com grande efeito por aqueles que buscavam a preservação da estrutura em face à sua iminente demolição.

© Russel Fernandez/ Princeton Architectural Press

O novo projeto do local, desde seus sistemas de materiais (a pavimentação linear, a reinstalação dos trilhos, a vegetação, a iluminação, o mobiliário, etc) até a coreografia do movimento; os caminhos sinuosos, os mirantes, pretende reinterpretar, amplificar, dramatizar e concentrar essas leituras do lugar. O projeto é extremamente site-specific; é irreproduzível em qualquer outro lugar sem que exista uma perda significativa de origem e localidade, em parte devido à história do próprio High Line, e em parte devido às características únicas de seu contexto urbano e adjacências. O projeto tem como objetivo concentrar essas condições encontradas, dramatizar e revelar o passado, o presente e os contextos futuros, criar um lugar inesquecível para todos os visitantes.

Isso me leva a um segundo tema das assombrações de Hunt, a preocupação com a recepção. Nos últimos anos, Hunt focou na importância de como os visitantes recebem um dado trabalho - como eles o experimentam, entendem, valorizam e expandem as várias interpretações da obra. Ele diz que "a paisagem vem a ser o acoplamento criativo do sujeito perceptivo e do objeto percebido."

© Russel Fernandez/ Princeton Architectural Press

Como um arquiteto paisagista, é muito difícil acreditar que um projeto realizado pode determinar uma resposta de comportamento particular; um bom projetista pode tentar ao máximo influenciar, direcionar, ou guiar uma série particular de respostas, mas nunca pode determinar ou definir uma recepção. Hunt reconhece tal distinção em declarações, como por exemplo, segundo W. H. Aude, "um poeta, especialmente um falecido, não pode controlar como lemos e entendemos sua poesia, mas - especialmente se ela for boa - releremos ela constantemente de novas formas; então mesmo quando novas gerações repetirem as mesmas palavras que W. B. Yeats originalmente publicou, elas provavelmente lhes atribuirão novos significados e ressonâncias." Ele continua a analogia: "Quando estamos lidando com materiais em um jardim que não têm nem base denotativa (como têm as palavras em primeira instância) nem declarações precisas de ideias ou emoções, há muito mais possibilidades de lhes reatribuir significados, vê-los de maneiras diferentes do que era originalmente planejado ou esperado." Então, ele sugere que um bom projeto deve contar com espaço suficiente para uma grande gama de recepções e interpretações, se não também instigar, induzir e suportar leituras abertas e indeterminadas. Como ele observa, com razão,

aqui é o lugar palpável, tátil, cheiroso, sonoro, que chama a atenção; em seguida, há a sensação de um lugar inventado ou especial, essa invenção resultante da criação de experiências mais ricas e mais completas do que seria possível, pelo menos em tal plenitude ou intensidade, se eles não fossem projetados. Como o ciberespaço, uma paisagem projetada é sempre, no fundo, uma ficção, um artifício - mas a sua influência sobre a nossa imaginação derivará, paradoxalmente, a partir da materialidade real de suas paisagens inventadas. "

De tais ideias, Hunt desenvolveu o conceito de loungue durée, a longa duração, o acréscimo lento de experiência e significado durante a passagem do tempo. Possivelmente um dos critérios fundamentais, mais importantes e desafiadores para o paisagismo arquitetônico é o fato de que o meio está conectado com o tempo. Não pode existir um imediatismo de apreciação, um modo rápido de consumir a paisagem de forma significativa e duradoura. Paisagens não podem nunca ser capturadas em um momento único; elas estão sempre em um processo de transformação, como em uma extração temporal de experiências de memórias, representações, usos, efeitos do clima, mudanças de administração, cultivo e cuidado, e outros traços de presenças sobrepostas. No caso do High Line, a experiência do passeio tem a velocidade reduzida de forma intencional em contraste com o contexto movimentado de Manhattan. Caminhos sinuosos entre a alta vegetação e a grama criam uma experiência que não pode ser devidamente capturada em uma fotografia, ou até mesmo em vídeo. Como tantos outros jardins, o local deve ser percorrido, com cenas que se desenrolam em seqüência e em justaposição. O plantio dinâmico é alterado a cada semana, com flores variadas, cores, texturas, efeitos e disposições, combinados com a mudança de luz em diferentes momentos do dia, tempo e estações, e com os diferentes efeitos do microclima da paisagem urbana envolvente. O visitante está sempre experienciando o High Line de uma forma diferente.

© Russel Fernandez/ Princeton Architectural Press

É importante ressaltar que o projeto não utiliza sinais ou símbolos de intenção narrativa, ele não tenta contar uma história ou incorporar um significado - ao invés disso, a sua própria materialidade, o seu detalhamento, sua artificialidade provoca ou solicita diferentes associações e leituras. Hunt falou em diversos ensaios de causas e motivações em projeto, descrevendo uma série de dispositivos teatrais, como soleiras de entrada e limiares, a passagem do exterior para o interior, enquadramentos e cenas dramáticas, o deslocamento e a colagem, inscrições e marcações. Estas causas e motivações precisamente projetadas são todas as concentrações de efeito que atraem o visitante para um outro mundo, aumentando o fascínio e distinção de um lugar especial. O visitante se torna tanto um artista como espectador, mais profundamente engajado em participar da teatralidade da vida urbana - o promenade como passarela elevada, palco urbano, e condensador social.

E aqui as palavras nos levam a terceira assombração de Hunt, a crítica. Quando ele declara que "teorizar sobre jardins é justificável para seu próprio bem; além disso, aumenta os prazeres da compreensão ", estabelece as bases não apenas para a contemplação passiva, mas para energizar ativamente novos desenvolvimentos nas ideias e práticas do paisagismo arquitetônico. Sua insistência na perspectiva histórica é bem aceita, mas seu compromisso com conceitos, a crítica do discurso, a argumentação informativa, e - o mais importante - o enriquecimento cultural através do placemaking imaginativo e inventivo continua a desafiar a todos nós.

As assombrações de Hunt são simplesmente aqueles lugares e ideias marcantes onde o conteúdo se concentra, atrasa, e é gerado. A combinação de locais físicos, materiais com ideias culturais aponta para a união entre a teoria e a prática: projetar com recepção e experimentar com o intelecto; todos os diálogos que nos esforçamos ao máximo para alcançar em nosso trabalho. Que tais experiências também possam assombrar a nossa imaginação talvez seja a mais alta vocação da arte, e nos jardins, como Hunt tão eloquentemente nos ensinou, podemos encontrar as maiores perfeições.

© Russel Fernandez/ Princeton Architectural Press

Índice Analítico

Prefácio — James Corner

Introdução — Alison Bick Hirsch

Theory (Teoria)

Critical Thinking and Landscape Architecture, 1991

Sounding the Depths—Origins, Theory, and Representation, 1990

Three Tyrannies of Contemporary Theory, 1991

Recovering Landscape as a Critical Cultural Practice, 1992 

2 Representation and Creativity (Representação e Criatividade)

Aerial Representation: Irony and Contradiction in an Age of Precision, 1996

Drawing and Making in the Landscape Medium, 1992

The Agency of Mapping: Speculation, Critique, and Invention, 1999

Eidetic Operations and New Landscapes, 1999

Ecology and Landscape as Agents of Creativity, 1973   

3 Landscape Urbanism (Urbanismo Paisagístico)

Not Unlike Life Itself: Landscape Strategy Now, 2004

Landscape Urbanism, 2003

Landscraping, 2001

Terra Fluxus, 20064 

4 Practice (Prática)

Practice: Operation and Effect, 2010

Botanical Urbanism, 2005

Hunt’s Haunts: History, Reception, and Criticism on the Design of the High Line, 2009

Posfácio — Richard Weller

Reconhecimentos

Bibliografia Completa de James Corner

From "The Landscape Imagination" - James Corner's Essay on the High Line

Sobre este autor
Cita: Walker, Connor. ""The Landscape Imagination" - Ensaio sobre o High Line, por James Corner" [From "The Landscape Imagination" - James Corner's Essay on the High Line] 03 Jul 2014. ArchDaily Brasil. (Trad. Stofella, Arthur) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/623369/the-landscape-imagination-ensaio-sobre-o-high-line-por-james-corner> ISSN 0719-8906

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