Cidades Radicais de Justin McGuirk: pela América Latina em busca de uma nova arquitetura

Em Cidades Radicais, Justin McGuirk viaja pela América Latina em busca de pessoas e ideias que estão moldando o modo como as cidades estão evoluindo: "após décadas de falhas sociais e políticas, uma nova geração tem revitalizado projetos de arquitetura e urbanismo voltados para a persistente pobreza e desigualdade. Juntos, esses ativistas, pragmáticos e idealistas sociais estão experimentando significativas iniciaticas que o resto do mundo pode aprender com eles." O texto seguinte é um trecho do original Radical Cities no PREVI - o projeto de habitação social experimental em Lima que contou com James Stirling e Aldo van Eyck entre seus contribuidores.

Em um subúrbio ao norte da capital Lima está um exemplo de habitação que poderia ter mudado a aparência de cidades do mundo em desenvolvimento. Seus residentes seguem suas vidas se sentindo sortudos por viverem aonde vivem, mas obviamente devido ao fato de residirem no último grande experimento em habitação social. Se você passar por ele hoje em dia, pode até nem reparar nele. Ainda que o Proyecto Experimental de Vivienda – PREVI – possua uma genealogia radical. Alguns dos melhores arquitetos de hoje em dia se esmeraram para erguer este conjunto. Agora ele está praticamente esquecido.

The Nonoalco-Tlatelolco housing estate in Mexico City, designed by Mario Pani, 1964. © Armando Salas Portugal

Em 1966, o Presidente Fernando Belaúnde, um ex-arquiteto, acordou em sediar um concurso internacional para resolver os problemas de habitação da cidade. A lista dos participantes é quase uma lista de presença dos arquitetos de vanguarda de 1960: James Stirling, Aldo van Eyck, os Metabolistas, Charles Correa, Christopher Alexander e Candilis Josic Woods. Este são apenas os mais famosos. Haviam treze equipes internacionais e treze peruanas - era quase uma disputa de maratona de projetos.

As condições eram excepcionais: um presidente arquiteto, um elenco de celebridades, e o financiamento das Nações Unidas. Era um momento único, era a última chance da arquitetura de provar que teria uma resposta ao espraiamento das favelas da América Latina. Nunca antes tantos arquitetos proeminentes pesaram na questão da habitação social.

O PREVI foi concebido pelo arquiteto britânico Peter Land. Ele teve a ideia de criar um projeto experimental de habitação que, em contraste com as blocos de torres que definiam as habitações sociais dos anos 60, tivesse uma escala mais humana. Inspirado pelas casas tradicionais do Peru, ele as imaginou compactadas em vizinhanças de densidade mais alta. A vantagem de casas ao invés de altos blocos de apartamentos era que os residentes poderiam expandir a capacidade para o crescimento eventual de suas famílias. Então o PREVI foi concebido como uma vizinhança formal que teria condições de expansão informal. Turner não estava diretamente envolvido, mas sua noção de que os cidadãos deveriam ter um órgão que regesse suas condições de habitação era uma questão central do conceito.

O inglês Land teve sorte, pode-se dizer, ele conhecia tanto o Presidente Belaúnde como o presidente do Banco de Habitações, Luis Ortiz de Zevallos. Eram ambos arquitetos e antigos colegas da Universidade de Engenharia de Lima. Eles apoiaram sua ideia com entusiasmo e não mediram esforços para influenciar o decisão das ONU em financiar o projeto. Em 1968, tudo estava pronto para ser iniciado. No entanto, em outubro, Belaúnde sofreu um golpe. Com os militares no governo, o PREVI quase foi encerrado. Mais populistas que Belaúnde, os generais favoreceram a revolução agrícola e a expropriação de terras para os pobres. Para os militares, o PREVI parecia só mais um projeto de habitação popular qualquer, no entanto, graças ao financiamento da ONU, o projeto pôde prosseguir.

Em 1969, os arquitetos internacionais foram mandados para Lima para estudar as barriadas e preparar suas entradas no concurso. A ideia era que os projetos destas casas fossem escolhidos e implantados em uma enorme escala. Mas em 1970 os jurados tiveram dificuldades para eleger um vencedor. Eles reduziram a lista para três finalistas - os Metabolistas japoneses, o Atelier 5 da Suíça e os alemães da Herbert Ohl. No final, decidiram construir um projeto piloto para testar o desempenho de todas as propostas do concurso (exceto, ironicamente, o projeto de Ohl, que se provou complicado demais). O esquema piloto consistiria em cerca de 500 casas, de modo que os projetos poderiam ser implantados em seus ritmos, e na segunda fase o melhor seria produzido em larga escala. Mas a segunda fase nunca aconteceu.

Por esta razão, muitos consideram o PREVI um fracasso. Imagine investir em 24 projetos e métodos de construção diferentes, alguns dos quais envolviam caros sistemas de concreto pré-fabricado - na esperança de que os investimentos retornassem quando o esquema virasse um padrão. O PREVI se tornou uma anormalidade: um laboratório de habitação contendo tantas ideias de projeto, tão diverso e adaptável, que provavelmente nunca se repetirá.

No final, o governo acabou por recorrer a medidas muito mais rudimentares para resolver o déficit habitacional. Na tentativa de sistematizar as barriadas, em subúrbios tais como a Villa El Salvador, os terrenos foram simplesmente marcados em linhas de carvão na terra, para que as pessoas pudessem utilizá-lo - uma abordagem que fez o o PREVI parecer quase decadente. Enquanto isso, o PREVI não foi apropriadamente documentado, e dado o isolamento do Peru nessa época, não foi amplamente publicado. A experiência foi rapidamente esquecida.

Caminhando pelo PREVI hoje em dia, é difícil ter uma sensação da escala do lugar. Quando foi completado em meados de 1970 era uma comunidade bem definida de casas modernistas brancas cercadas pelo deserto. Mas Lima expandiu além desse limite muito tempo atrás, e agora é um desafio distinguir o que é o PREVI e o que não é.

Locals in front of some extended James Stirling houses, PREVI. © Cristóbal Palma

A rua que leva ao complexo acompanha uma série de campos abertos e playgrounds. Em frente a eles há uma escola de quatro pavimentos. Esta começou como uma residência de um pavimento desenhada por James Stirling. É possível identificar o projeto pelas linhas que definem as aberturas das janelas, como aquelas que o arquiteto usaria mais tarde em Southgate Estate em Runcorn, próximo a  Liverpool. A unidade urbana básica de Stirling era uma quadra de formada de quatro casas. A ideia era que os proprietários pudessem ampliar adicionando pavimentos, deixando o quintal aberto para iluminação e ventilação. Na verdade, há um divertido desenho (feito por seu pupilo Leon Krier) representando a casa crescendo e se transformando no que parece ser uma villa italiana, com um átrio. Das dezesseis casas aqui, desnecessário dizer, nenhuma se parece muito com isso. Elas evoluíram nos seus próprios caminhos - e não indecorosamente, com varandas e empenas - e com freqüência, chegam a ter três vezes seu tamanho original.

Se as janelas de Stirling o entregam, para qualquer outro projeto do PREZI não é assim tão fácil. É possível passar o dia inteiro adivinhando que casa é de quem. 'Seria essa uma do van Eyck ou uma do Alexander?' Décadas de ampliações apagaram muitas das pistas. As casas originais estão encrustadas em camadas geológicas: pavimentos extras, telhados inclinados, escadas externas, fachadas em mármore falso, telhas de barro e terríveis pinturas. É quase como uma forma de arqueologia, mentalmente apagar esses anexos todos.

Essa foi a genialidade do PREVI: foi projetado como uma plataforma para mudanças. As casas não eram um fim, mas um início. Como molduras para expansão, elas evidenciaram um dos princípios chaves das barriadas, em que uma casa é um processo e não um objeto estático. Claro que houve uma tradição do processo de trabalho modificando seus preceitos modernistas, como descobriu Le Corbusier, para seu desgosto, em Pessac, mas nunca foi de propósito. Aqui, apesar que alguns arquitetos tentaram estipular como as casas cresceriam, o crescimento é que era a ideia geral. Era potencialmente revolucionário.

The Quinta Monroy houses after the residents’ expansions. © Cristóbal Palma

Índice do livro Radical Cities: Across Latin America in Search of a New Architecture

Capítulo 1: De Buenos Aires à  San Salvador de Jujuy: Ditadores e revolucionários

Capítulo 2: De Lima à Santiago: Uma plataforma para mudanças

Capítulo 3: Rio de Janeiro: A Favela é a Cidade

Capítulo 4: Caracas: A Cidade é as políticas congeladas

Capítulo 5: Torre David: Uma Utopia Pirata

Capítulo 6: Bogota: A cidade como Escola

Capítulo 7: Medellin: Urbanismo Social

Capítulo 8: Tijuana: No trópico político

The Piedrabuena housing in Buenos Aires, designed by Manteola, Sánchez Gómez, Santos & Solsana and completed in 1980. © Tomás García Puente

Sobre este autor
Cita: McGuirk, Justin . "Cidades Radicais de Justin McGuirk: pela América Latina em busca de uma nova arquitetura" [Justin McGuirk's Radical Cities: Across Latin America in Search of a New Architecture] 16 Jun 2014. ArchDaily Brasil. (Trad. Santiago Pedrotti, Gabriel) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/621051/cidades-radicais-de-justin-mcguirk-pela-america-latina-em-busca-de-uma-nova-arquitetura> ISSN 0719-8906

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