Perspectivas sobre Xangai: Da cidade híbrida a cidade global

A cidade de Xangai está estrategicamente posicionada no Extremo Oriente como um novo centro financeiro mundial de primeira ordem, também como um novo modelo de cidade moderna. Neste quadro, enfrenta o desafio de acolher um crescimento populacional urbano de 15 milhões de pessoas para 2015, fruto do crescimento demográfico e da migração interna campo-cidade, atraída pelo acelerado desenvolvimento chinês.

Isto deve ser resolvido construindo novas urbanizações a um ritmo vertiginoso, articulando as normativas herdadas do sistema centralizado comunista com a importação de conhecimento ocidental sobre questões de planejamento e projeto urbano. O planejamento na China passou por várias transições devido a sucessivas mudanças estruturais. Com isso, reconhece-se ao menos quatro etapas na morfologia de Xangai:

● A cidade murada tradicional chinesa foi planejada de acordo com os antigos conceitos da geomancia, Feng-Shui e I-Ching. Ritos de Zhou ( que datam de 1100 – 256 AC) servem para enfatizar a importância dessas filosofias, as direções cardiais e a harmonia entre os reinos humano e natural. Até meados da século XIX, Xangai compartilhava estas características.

● A cidade socialista (1950 – 1980) aplicou políticas de planejamento que focaram no aumento da porcentagem de trabalhares de “colarinho azul”, residências acessíveis, comunas urbanas, unidades de trabalho (conhecidas como danwei), avenidas centrais largas, grande praças e centros de exposições de estilo soviético.

● A cidade híbrida (1860-1990) é o tipo de cidade que incorpora o planejamento e conceitos de desenhos ocidentais mesclados com traços tradicionais da arquitetura chinesa. As cidades deste tipo, como Xangai e Tianjin, foram as primeiras a desenvolver redes de infraestruturas. Esta zona é conhecida como o Bund.

● A cidade global (1990- em diante) se planeja a partir do desenvolvimento econômico com o propósito de inserir-se na economia mundial como um nó-chave para o mercado globalizado. Destaca-se por contar com: Distrito Comercial e de Negócios (CBD), regulamentação de zoneamento comercial e industrial de grande escala, aeroporto internacional, múltiplos núcleos urbanos, edifícios corporativos e de serviços nacionais, extensos sistemas de transporte público e a alta densidade populacional.

via Plataforma Urbana

Como consequência desde largo processo, que se viu acelerado desde os meados do século XIX, a cidade de Xangai apresenta hoje cinco grandes setores morfologicamente diferenciados. a) o centro histórico e tradicional, b) as áreas de expansão XIX, c) a expansão da cidade durante a primeira metade do século XX e d) por último, os planos e estratégias em torno da criação de cidades satélites, desde os princípios dos anos 80.

Para isso, o governo municipal decidiu que a arquitetura européia ocupasse um lugar central na tentativa de criação de uma identidade urbana para o núcleo de cada cidade nova (New Town). Assim, encontra-se uma reminiscência desta tipologia de cidade híbrida, mesclada com a cidade global que comanda esta época, mas ainda com resquícios da cidade socialista de transição de uma economia planejada a uma economia aberta ao mercado.

O êxito desta política foi colocado em discussão, dado que grande parte destes novos núcleos urbanos estão vazios, fruto da especulação imobiliária, o deslocamento da população da área central histórica de Xangai a estas cidades satélites, longe de seus lugares de trabalho e compras (uma hora e meia de distância em alguns casos) conjugada com o fracasso nas prestações de serviços de transporte público que tentava sanar estas desvantagens.

Planejar primeiro para construir depois

A cidade atravessou diversas fases de planejamento e desenvolvimento, desde o pequeno povoado pesqueiro e têxtil até a posterior consolidação, densificação e forte expansão no fim do século XIX.

● Concessões estrangeiras (1843-1929): Logo em 1843, as potências europeias impuseram um sistema de assentamentos e concessões estrangeiras criados em virtude de tratados desiguais, com setores de enclaves urbanos de várias cidades chinesas que seguiram padrões de urbanização ocidentais, equipados com os recentes avanços em ordenamento e infraestrutura urbana;

● Plano da Grande Xangai (1929-1937): Em 1929, após o estabelecimento do governo local da Grande Xangai, criou-se uma Comissão de Planejamento, composta por especialistas chineses e consultores estrangeiros. Esta Comissão produziu um Plano para a Grande Xangai, que incluiu o desenvolvimento do centro histórico e a proposta de um novo centro urbano localizado no distrito de Jiangwan, entre o terreno proposto para o novo porto e o assentamento estrangeiro Planejou-se também extensões do sistema ferroviário até esse novo centro urbano, junto com um traçado de novas avenidas, assim aliviando os problemas crescentes de congestionamento.

● Plano Geral do pós-guerra (1945-1949): Em 1946 estabeleceu-se uma junta de planejamento urbano em Xangai. Porém, a queda e a fuga dos nacionalistas da China continental e a ascensão dos comunistas ao poder, iniciou um novo período.

 ● Planejamento na República Popular Chinesa (1949-1980); Entre 1949 e 1956, os esforços para reconstruir uma cidade após a Segunda Guerra Mundial, derivaram na restauração das linhas de comunicação e transporte, assim como todas as obras de infraestruturas. Em 1956, planejaram um processo massivo de renovação urbana, junto com a relocalização de pessoas e indústrias mediante a construção de sete povoados satélites de Xangai.

● O primeiro plano depois da abertura econômica ao mundo (1980 – atualidade): O contexto de reformas econômicas que possibilitaram uma gradual abertura do país ao investimento estrangeiro no começo dos anos 80, catalisaram um contexto de decolagem e rápido crescimento da China. Neste cenário, a cidade se encontrava com oportunidades renovadas, mesmo com velhos problemas pendentes e desafios novos para resolver.

Em 1985, a China pensou como estratégia a troca da estrutura espacial urbana. A partir daí, então, abandona o conceito monocêntrico ou um policêntrico onde se aposta em um planejamento regional com a criação das sete primeiras cidades satélites, atualmente quase conurbadas.

Um plano geral de desenvolvimento urbano

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A partir da reestruturação urbana, em 1999 as autoridades locais apresentaram um plano de desenvolvimento urbano para a cidade, chamado de “Plano Geral de Desenvolvimento para Xangai ‘Uma Cidade, Nove Povoados’’’ (1999 – 2006), onde a estrutura foi a descentralização e descongestionamento de Xangai por meio da construção de um sistema urbano hierarquizado.

Tratou-se de um modelo conformado por: uma cidade central orientada ao setor de serviços, noves cidades-chaves descentralizadas como centro administrativo, seis povoados pequenos e seiscentos bairros ou vilas na região periurbana, que permitem recanalizar o crescimento populacional e atender aos problemas detectados no centro histórico da cidade.

Outra estratégia complementar foi a integração de Xangai com os outros assentamentos dispersos na região do delta do rio Yangtzé, que ratifica a mudança de enfoque do centro urbano para um desenvolvimento integrado de áreas urbanas e rurais. É por isto que alguns reconhecem claras vinculações com o modelo de cidade-jardim de E. Howard e as recomendações estratégicas dos planos regionais de P. Abercrombie para Londres no final da Segunda Guerra Mundial.

Isto se deve, principalmente, ao tipo de planejamento elaborado sobre a base das cidades satélites, o controle do derramamento populacional (overspill), o controle de crescimento da expansão urbana em baixa densidade (urban sprawl) e o desenvolvimento de áreas rurais entre estas novas cidades e a cidade central. No caso de Xangai, a classificação das aglomerações neste plano obedece não apenas a escala das mesmas, mas também se distinguem sobre a base de um conceito de estabilização das mesmas:

● As novas cidades (New Cities), uma por município, dos quais se esperava que fossem habitadas por 500 mil e 1 milhão de pessoas, com núcleos urbanos como Dongtan Eco-city, no município de Chongming; Liangang New Harbour City, no distrito de Pudong; e Qingpu New City, no distrito de Qingpu.

 ● Os novos povoados (New Towns), destinados a 500 mil habitantes, tais como: Chengqiao New Town, no município de Chongming; Loudian New Town, no distrito de Baoshian; e Pujiang New Town, no distrito de Minhang.

● Os bairros novos (New Quartiers), com cerca de 50 mil pessoas e núcleo central com arquitetura tematizada: alemã para Anting New Town, na mesma cidade automobilística internacional de Xangai; nórdica para Fengjing New Town, no distrito de Jinshan; holandesa para Holland Village, no Novo Povoado de Gaoqiao do distrito de Pudong; e inglesa para Thames Town, no distrito de Songjiang.

Quanto aos cenários, destaca-se a vedação ocidental materializada na arquitetura escolhida para os novos povoados. Esta decisão é planejada como um recurso frente à necessidade de criar uma identidade, tomando como antecedente a arquitetura ocidental remanescente no centro de Xangai.

via Plataforma Urbana

O caso de Xangai oferece um sistema de planejamento em transição do sistema centralizador comunista imposto desde os meados do século XX a uma abertura progressiva dos investimentos do mercado em andamento, embora as decisões ainda serem de cima para baixo por meio de planos a cada cinco anos. Contudo, recentes normativas sancionadas regem o principio: “o planejamento primeiro, a construção depois”.

Como resultado, Xangai apresenta um cenário urbano heterogênico e diversificado seguindo a origem histórica de cada setor: centro tradicional chinês, áreas de expansão XIX e a primeira metade do século XX de matriz ocidental, socialista na segunda metade. Como diretriz estratégica, foi convertido a um sistema policêntrico sobre a reorganização da estrutura regional com a criação de novas cidade e povoados satélites, com alguns núcleos urbanos tematizados da arquitetura européia.

Texto por Guillermo Tella via Plataforma Urbana. Tradução Archdaily Brasil.

Sobre este autor
Cita: Fernanda Britto. "Perspectivas sobre Xangai: Da cidade híbrida a cidade global" 24 Fev 2013. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-99523/perspectivas-sobre-xangai-da-cidade-hibrida-a-cidade-global> ISSN 0719-8906

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