Norman Foster fala sobre ter conhecido Niemeyer

Nesta entrevista, publicada originalmente pela Revista Metropolis, como "Q&A: Norman Foster on Niemeyer, Nature and Cities", Paul Clemence conversa com Lord Norman Foster sobre seu respeito por Oscar Niemeyer, seu encontro pouco antes da morte do grande mestre e como a obra de Niemeyer influenciou a sua própria.

Em dezembro passado, em meio a uma agitada agenda de eventos que vieram a definir o Art Basel / Design Miami, encontrei-me assistindo a uma apresentação, durante o almoço, dos planos para o Museu de Arte Norton em Palm Beach, por Foster + Partners. Durante a conversa com Lord Foster, mencionei a minha experiência brasileira e rapidamente a conversa se voltou para Oscar Niemeyer. Foster mencionou a conversa que ele e Niemeyer tiveram pouco antes da morte do brasileiro (coincidentemente aquela mesma semana em dezembro marcou o primeiro aniversário da morte de Niemeyer). Curioso para saber mais sobre a reunião e seu bate-papo, perguntei a Foster sobre esse encontro lendário e algumas das ideias que norteiam o seu projeto para o Museu Norton.

Leia a entrevista:

The entrance ramp to Niemeyer's Niteroi Contemporary Art Museum. . Image © Paul Clemence

Paul Clemence: Como o encontro com Oscar Niemeyer aconteceu? O que o motivou?

Norman Foster: Ele veio de uma conversa que tive com Hans Ulrich Obrist em janeiro de 2011, durante um salão anual que minha esposa Elena fez curadoria junto com ele na Suíça. Eu viajei ao Brasil no final daquele ano e encontrei Oscar no Rio em 21 de maio. Havia muitas razões para a reunião, mas Hans tinha um interesse especial em nos reunir para discutir nossas experiências como arquitetos das cidades. No caso do Oscar, foi, é claro, Brasília; no meu, que era o nosso trabalho na Europa e no Extremo Oriente, notavelmente Masdar em Abu Dhabi.

PC: Como você encontrou Niemeyer? Qual era sua consciência nessa fase avançada de sua vida?

NF: Ele estava com um espírito maravilhoso -encantador e, não obstante os seus 104 anos, sua energia juvenil e criatividade foram inspiradoras. Sua energia e bom humor eram ilimitados. Tivemos uma discussão interessante sobre a arquitetura como invenção e sua capacidade de surpreender. E também falamos sobre a vida e o cosmos, como ele disse, "estamos a bordo de um navio fantástico!" Na década de 1950, fui inspirado por sua obra, que, no contexto de austeridade na Grã-Bretanha, era colorida, exuberante, e glamourosa. Isso foi antes de eu começar meus estudos de arquitetura.

PC: Como alguém que foi uma inspiração inicial sua, como se sentiu ao conhecer Niemeyer pessoalmente?

NF: A experiência de conhecê-lo foi muito especial. Poucos de nós consegue conhecer os nossos heróis e eu sou grato por ter tido a oportunidade de passar um tempo com ele enquanto estava vivo. Fui tocado por seu calor, sua grande paixão pela vida e arquitetura.

Casa das Canoas, by Niemeyer, with bolder at center. The house's design, like much of the architect's work, combines aspects of vegetation, landscape, and climate in ways that inspired Foster and many more.. Image © Paul Clemence

PC: Que área específica da obra de Niemeyer mais lhe agrada? Você encontra algum terreno comum entre o trabalho dele e o seu?

NF: Me impressiono com sua habilidade de invocar um vocabulário tão variada de formas e estruturá-los em brilhantes composições arquitetônicas. Para os arquitetos educados no movimento moderno mainstream, ele inverteu o ditado familiar que "a forma segue a função", e demonstrou, no lugar, que, "quando uma forma cria beleza, ela torna-se funcional e, portanto, fundamental para a arquitetura".

Como Hans Ulrich Obrist observou, há alguns paralelos entre a Brasília de Niemeyer e a Masdar City, em Abu Dhabi —no sentido de ambas terem sido projetadas a partir do zero. No entanto, Brasília foi concebida num momento em que o automóvel ainda era considerado o futuro da sociedade. Por outro lado, Masdar é relativamente livre de carros e aprende a partir de princípios de planejamento antigos que antecedem a era da energia barata e a dominância do automóvel. Além disso, é um experimento ousado para demonstrar que uma comunidade zero-resíduos e zero-carbono pode ser criada e totalmente mantida por energia solar.

PC: Qual das suas obras você mais gosta? Como foi a primeira vez que esteve em uma delas pessoalmente?

NF: Eu costumava me debruçar sobre a obra de Niemeyer aos meus vinte anos —a seção decrescente, as colunas de concreto do Palácio da Alvorada, como ossos; o dinamismo formal e a economia estrutural da catedral de Brasília. A cidade de Brasília não é simplesmente projetada, ela é coreografada, cada uma de suas peças, fluidamente compostas, parecem situar-se como um dançarino em pontos, congelado num momento de equilíbrio absoluto. O que mais gosto em seu trabalho é que mesmo a construção individual é muito sobre o promenade público, a dimensão pública. Eu vi o seu Museu de Arte Contemporânea de Niterói, pela primeira vez durante a nossa visita , em 2011, e foi emocionante. De pé sobre o seu promontório rochoso, como uma forma vegetal exótica, ele despedaça convenções justapondo arte com uma vista panorâmica do porto do Rio. É como se ele tivesse arremessado a galeria caixa convencional nas rochas abaixo, e nos desafiou a ver a arte e a natureza como iguais. Eu andei nas rampas do Museu. Elas são quase como uma dança no espaço, convidando-o a ver o edifício de muitos pontos de vista diferentes antes de realmente adentrá-lo. Eu achei absolutamente mágico.

Norman Foster presenting new plans for the Norton Museum of Art.. Image © Paul Clemence

PC: Tanto você como Niemeyer tiveram um caminho incrível em suas carreiras. Sendo a Arquitetura uma profissão tão difícil, você poderia comentar sobre isso e também sobre a carreira de Niemeyer?

NF: É certamente verdade que a arquitetura é uma profissão exigente e cada projeto é repleto de obstáculos ao longo do caminho. Niemeyer foi capaz de ser fiel aos seus valores como um arquiteto ao longo de um longo período de carreira profissional, mantendo a sua criatividade e espírito até o fim. Talvez o elemento unificador na sua pergunta é uma paixão compartilhada e total devoção à arquitetura com uma crença na sua capacidade de elevar o espírito.

PC:  No projeto do Museu Norton você estará lidando com um clima similar que Niemeyer tratou na maior parte de sua carreira e, também, em um lugar onde a natureza tem uma presença muito forte. Talvez comente sobre isso, as lições de Niemeyer enfrentando este contexto?

NF: O denominador comum é, talvez, menos o clima sozinho e mais a combinação da vegetação, paisagem e clima. Estes reuniram-se em minha resposta para os geradores sociais do Museu Norton. É fácil esquecer que o clima na Flórida é tão agradável, com grande potencial de esplanadas e restaurantes. Grande parte do terreno do Norton era usado como pista e estacionamento. Então, através da remoção de estradas e trazendo de volta a paisagem como um cenário para a escultura e eventos, retornamos o museu a uma tradição histórica de combinar arquitetura e paisagem. A conexão para Niemeyer, aqui, não é consciente. No entanto, durante a nossa conversa, Oscar comparou espaços verdes de Brasília às paisagens maravilhosamente variadas do Brasil, com rios, florestas e montanhas. Em certo sentido, a capital pode ser pensada como um microcosmo do país como um todo - tanto quanto é uma visão ousada para o seu futuro.

Nossa abordagem de projeto é semelhantemente guiada por uma sensação única de lugar -pelo contexto nacional e local; pela pesquisa e análise do clima, da cultura e as necessidades dos diferentes usuários. O potencial para aproveitar a natureza e fornecer folhagem e abrigo, ventilar ou trazer luz a um edifício, é igualmente profunda, trabalhando em harmonia com o meio ambiente, o projeto pode ajudar a proteger e conservar a energia e recursos naturais.

Rendering of the Norton Museum of Art, with preserved ficus tree. . Image Courtesy of Foster + Partners

PC: Na mesma nota, você poderia falar sobre a preservação dessa árvore pela fachada da South Dixie Highway e sua importância para o projeto?

NF: A árvore é uma ficus madura, uma espécie nativa das regiões tropicais, que foi preservada como parte da nova praça de entrada. É como se fosse uma escultura nobre com uma longa vida útil pela frente. A cobertura metálica foi cortada e curvada em torno de seus galhos, e as janelas dos novos pavilhões foram posicionadas para enquadrar vistas da árvore, contribuindo assim para ligar o interior com a paisagem externa - sempre proporcionando um ponto de referência. A preservação da árvore é parte de um conceito mais amplo de paisagismo para os jardins de escultura - por toda parte, estamos incorporando árvores nativas para proporcionar sombra com flores e plantas que são nativas da Flórida.

PC: A cobertura metálica tem um papel importante no projeto, você poderia expandir mais a sua relevância?

NF: A cobertura unifica visualmente os três novos pavilhões e a entrada principal, mas também ajuda a criar a nova fachada rua e identidade na South Dixie Highway. A cobertura se estende sobre a nova praça de entrada com suas piscinas lineares, e fornece abrigo e sombra do sol. Bem como proteção contra o tempo, a estrutura foi projetada para suportar forças extremas. Ele é suavemente cônica para, visualmente, criar um perfil muito fino, proporcionando estabilidade para desviar ventos de furacão. A sub-superfície da cobertura é importante. Não vai ser brilhante ou espelhada, mas reflexiva o suficiente para captar os raios do sol quando eles refletem da água abaixo. Isso irá criar belos padrões abstratos que dançarão de dia e farão um tipo diferente de magia à noite.

Rendering depicting the main approach to the Norton Museum of Art.. Image Courtesy of Foster + Partners

A espiral da cobertura em torno da árvore majestosa me lembra como a Casa das Canoas, de Niemeyer, em que projeto está ancorado em torno da pedra que irrompe do chão. Em ambos os casos a natureza convida-nos e fundamenta o que é feito pelos homens, enviando uma forte mensagem de desejo de equilíbrio entre os dois. Isso mostra que, apesar de diferentes épocas, abordagens e mentalidades, as arquiteturas de Foster e Niemeyer usam a tecnologia disponível (se é uma nova estrutura de metal de ponta ou empurrando o concreto ao seu limite) para criar um edifício que responda aos desafios contextuais, enquanto celebrando o elemento humano. Como Foster disse de forma tão eloquente, quando perguntado para pensamentos futuros sobre essa reunião: "A nossa conversa afirma valores compartilhados em vez de revelações. O mais fundamental deles é a importância da dimensão social e o lembrete de Oscar de que "arquitetura é importante, mas a vida é mais importante que a arquitetura".

A conversa entre Oscar Niemeyer e Norman Foster, com Hans Ulrich Obrist presente, foi publicada pela IvoryPress como parte de sua Architecture Series.

Sobre este autor
Cita: Clemence, Paul . "Norman Foster fala sobre ter conhecido Niemeyer" [Norman Foster on Meeting Niemeyer] 17 Jan 2014. ArchDaily Brasil. (Trad. Souza, Eduardo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-168905/norman-foster-fala-sobre-ter-conhecido-niemeyer> ISSN 0719-8906

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