Wang Shu, por Alejandro Aravena

A extraordinária arquitetura de Wang Shu pode ser consequência da sua capacidade de combinar talento e inteligência. Esta combinação lhe permite produzir uma obra-prima quando o encargo requer um monumento, mas também lhe permite produzir uma arquitetura cuidadosa e contida quando um monumento não vem ao caso. A intensidade do seu trabalho, pode dever-se a sua relativa juventude, mas a precisão e propriedade de suas operações fala, ao mesmo tempo, de uma grande maturidade.

Consideremos o Museu Histórico de Ningbo por exemplo:  é tão potente que merece sem dúvida alguma ser chamado de obra-prima. Esse edifício não se visita, se é “golpeado” por ele.  Tenho memória de ter sentido algo assim poucas vezes na vida, como quando visitei o Parlamento de Kahn em Bangladesh, ou o Instituto de Administração da Índia em Ahmedabad. Ser “golpeado” por um edifício acontece rara vez na arquitetura, porque esse tipo de experiência pertence mais bem à musica o ao cinema, onde de uma obra pode emocionar a tal ponto de transformar o estado de ânimo em um sentido profundamente positivo. Lamentavelmente nada disso pode ser transmitido pelas fotografias. [...]

Logo, está o uso distintivo que faz dos materiais descartados, provenientes de outras construções.  Essa técnica não só tem sentido em termos de sustentabilidade, como também introduz uma certa “história” na construção, ao dar às fachadas uma espécie de “overdose de tempo” sem ter que esperar o envelhecimento.  Além disso transforma cada parte do edifício em um evento único e irrepetível, porque cada cm2 e diferente do outro. Esta variação, dentro da unidade não somente tem um valor estético como também permite absorver os erros de construção que uma mão de obra pouco qualificada pode produzir em volumes de grande tamanho. Idealismo e pragmatismo se sintetizam assim em uma única operação.

Museu de História de Ningbo, fotografia © Iwan Baan

Sobre esta técnica construtiva, Wang Shu disse que estava recuperando uma tradição que estava desaparecendo, que consistia em usar matérias sobrantes de desastres naturais como terremotos ou tufões, colocando tijolos, telhas ou pedras, capa sobre capa para reparar uma rachadura ou cubrir um buraco. Ele “só” levou o sistema a uma escala diferente, a escala de todo o edifício. A importância de recuperar essa técnica é pragmática, histórica e cultural.  Ele disse que considerava a arquitetura um trabalho colaborativo. Ao empregar gente que dominava um conhecimento que ele não possuía, se estabelecia um diálogo criativo durante a construção, um processo de aprendizagem e ensinamento mútuo ao qual cada um contribuía com seu próprio conhecimento: ele, como arquiteto do projeto, propunha aos trabalhadores coisas que eles não sabiam, mas quando ia à obra, os trabalhadores lhe ensinavam coisas que ele não sabia.

Isso leva ao debate sobre o controle criativo da obra. Ele disse que estava buscando a precisão do sentimento mais que a perfeição da construção; que ele acreditava que  o edifício tinha um sentimento preciso.  Isso é algo que lhe deve ser concedido porque se há algo muito claro em seu trabalho é a sua capacidade de produzir uma obra potente, que opera inclusive ao nível das emoções.

Academia de Arte em Hangzhou, fotografia © Iwan Baan

Por outro lado, está a Academia de Artes de Hangzhou, na qual se deveriam construir umas quantas dezenas de edifícios, desde pavilhões a dormitórios, de salas de aula a edifícios administrativos, todos em um prazo relativamente curto. A pergunta era aqui era a capacidade de producir o tecideo médio da cidade. Wang Shu foi capaz de escapar do risco da monotonia que um encargo de esta escala poderia ter gerado, sem sobreatuar desnecessariamente cada peça; conseguiu  equilibrar a individualidade de cada elemento com a capacidade de pertencer ao conjunto  Ao mesmo tempo foi capaz de evitar a eventual mediocridade e dissolução da qualidade que pode ocorrer em um projeto tão massivo, por meio da introduzindo na totalidade da operação uma certa contenção. Finalmente é evidente que foi capaz de entender que a esta escala, não se trata somente dos edifícios mas também do espaço entre eles. A vitalidade do complexo, inundado de vida estudantil, é a prova inequívoca do êxito e propriedade da estratégia adotada.

Tudo isso faz  com que seu trabalho seja ao mesmo tempo encorajador e inquietante. A condição extraordinária de sua arquitetura foi alcançada usando materiais universalmente disponíveis, com mão de obra pouco qualificada, trabalhando com orçamentos ajustados, com pouco tempo para construir e projetar e com um escrtitório pequeno. A maioria dos arquitetosdo mundo deve encontrar estas condições familiares e similares a suas próprias circunstâncias. Nesse sentido, é encorajador porque nos faz pensar que cada um de nós também poderíamos fazê-lo; oferece uma espécie de esperança e otimismo para todos os arquitetos que também devem produzir um entorno construído de qualidade, trabalhando em um meio com condições adversas. E isso mesmo faz seu trabalho inquietante, porque edifícios extraordinários foram feitos com meios ordinários. Nessa dualidade reside o potencial de transformar-se em um referente, porque para que isso ocorra, se necessita alguém suficientemente próximo para que as pessoas possam indetificar-se com ele, mas ao mesmo tempo, suficientemente afastado, para que represente um desafio. Wang Shu é um exemplo notável que mostra que para fazer diferença o que se necessita é formular a pergunta corretamente, entender e integrar as restrições do problema (e não só reclamar delas) e escolher as operações apropriadas para transcender as dificuldades. A beleza de tudo isso, é o que faz aparecer algo fácil e simples, com a naturalidade própria da grande arquitetura.

Academia de Arte em Hangzhou, fotografia © Iwan Baan

A arquitetura de Wang Shu tem sido capaz de sintetizar, além disso, o debate entre o local e o global, conseguindo provar que não têm porque serem termos excludentes. Suas obras estão fortemente enraizadas no contexto cultural, econômico, ambiental e estético; e, ainda assim, possuem alcance universal.  Sobre a relação com o lugar, ele disse que sua aproximação consistia em prestar atenção cuidadosamente ao contexto, às circunstâncias e às restrições.  Nesse sentido, o emprego de uma certa técnica construtiva está intimamente ligado ao local. Se ele tivesse que trabalhar em outro lugar, ele destinaria um tempo para entenderessas condições do novo lugar e poder, assim, propor uma estratégia ad-hoc. Isso revela que sua aproximação está longe de ser nostálgica ou romântica, sendo mais bem pragmática e sensível. E como consequência disso, sua arquitetura é pertinente, vem ao caso.

 

Sobre Alejandro Aravena

Nascido no Chile 1967, Aravena iniciou seu escritório depois de formar-se em Arquitetura pela Universidade Católica de Chile em Santiago, no ano 1992. O arquiteto consolidou sua carreira realizando projetos públicos e institucionais, tais como: as Torres Siamesas, os edifícios das faculdades de Arquitetura, Medicina e Matemática da Universidade Católica do Chile. Além disso, também projetou as residências estudantis e o refeitório da Universidade St. Edward em Austin, Texas. Ele é um dos fundadores e atualmente Diretor Executivo do escritório ELEMENTAL, um “Do Tank”, que trabalha em projetos de habitação social, espaços públicos, infraestrutura e transporte. Foi professor visitante na Harvard Graduate School of Design e é Professor na Universidad Católica de Chile.

Obras de Alejandro Aravena em ArchDaily Brasil: Casa Lago Pirihueico, Ruta del Peregrino, Torres Siamesas , Elemental Monterrey, Elemental Quinta Monroy.

 

Fotos por © Iwan Baan

Sobre este autor
Cita: Gica Fernandes. "Wang Shu, por Alejandro Aravena" 27 Fev 2012. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-35259/wang-shu-por-alejandro-aravena> ISSN 0719-8906

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